Enfermagem de Reabilitação



Segundo Stryker, enfermagem de reabilitação é um processo que começa nos cuidados preventivos imediatos, no primeiro estadio da doença ou acidente, continua na fase de recuperação e implica a adaptação de todo o ser a uma nova vida. (Stryker, 1977 p.15).
A enfermagem de reabilitação apresenta a sua face holística na avaliação e encaminhamento do utente, através de aspectos físicos, psicológicos, cognitivos, sociais e financeiros. Na prestação de cuidados ao utente, o enfermeiro de reabilitação não só interage com o utente, mas também inclui a família e a comunidade neste processo de tratamento, sendo por vezes auto-suficiente na resolução de algumas situações, substituindo equipas multidisciplinares.
A enfermagem de reabilitação afirma-se como ciência, baseando-se em princípios teóricos e científicos, definindo objectivos muito concretos na prestação de cuidados aos utentes, como sendo:
·         Definir objectivos para níveis máximos de interdependência funcional e actividades de vida diária.
·         Promover o auto cuidado, prevenir complicações e posterior deficiência
·         Reforçar comportamentos de adaptação positiva
·         Assegurar a acessibilidade e a continuidade de serviços e cuidados
·         Advogar uma qualidade de vida óptima
·          Melhorar os resultados esperados
·         Contribuir para reformas no carácter, estrutura e prestação de cuidados nos serviços de saúde

 A Enfermagem de Reabilitação vem ao encontro dos utentes e das famílias ou pessoas significativas ajudando-os em situações onde a saúde está em risco. Perante situações muito específicas, os enfermeiros de reabilitação como membros de uma equipa multidisciplinar, ajudam os seus utentes através de habilidades físicas a recuperar o mais alto grau de independência funcional dentro dos limites das suas possibilidades.
A Enfermagem de Reabilitação surge como especialidade em 1960. Foram criadas regras, linhas orientadoras de cuidados, nas diferentes praticas na comunidade. Foi desenvolvida a Associação das Enfermeiras de Reabilitação e políticas de cuidados de saúde para a pessoa com debilidade.
A palavra Reabilitação vem do latim habilita ou habilitare que significa dar forma. A palavra latina rehabilitare significa voltar a dar forma (Partridge, 1963, p.273).
O núcleo central da reabilitação defende que o indivíduo com alguma incapacidade, tem o direito de se tornar perito na gestão dos seus cuidados de saúde (McCourt, 1993). Os enfermeiros de reabilitação acreditam que a pessoa com incapacidade tem um valor intrínseco que transcende a sua incapacidade, e que cada pessoa é um ser único e holístico que tem tanto direito como responsabilidade de tomar decisões tanto pessoais como informadas no que respeita à saúde e ao seu estilo de vida (American Nurses’ Association & the Association of Rehabilition Nurses, 1988).
A filosofia da reabilitação preconiza que o indivíduo tem o direito de ser um perito nos seus cuidados de saúde. O objectivo é transferir a responsabilidade do auto cuidado, do profissional de saúde para o indivíduo (McCourt, 1993).

A Filosofia da Reabilitação defende que o indivíduo tem o direito de ser um perito
1- Objectivo: transferir a responsabilidade para o cliente
2- Processo para atingir o Objectivo:
A – Educação
B – Desenvolvimento de capacidade de auto-cuidado


O objectivo geral da enfermagem de reabilitação é auxiliar o indivíduo com incapacidade ou doença crónica a obter a capacidade funcional máxima, a manter um nível óptimo de saúde e a adaptar-se a um novo estilo de vida (American Nurses’ Association & the Association of Rehabilition Nurses, 1988).
Segundo Mumma, citado por Chin (1998,p.8) os seis objectivos específicos da reabilitação são:
- Alcançar o potencial funcional máximo e a auto-suficiência
- Alcançar e manter uma qualidade de vida aceitável
-garantir que as necessidades específicas do indivíduo são satisfeitas
-promover a adaptação do indivíduo e família à sua nova vida
-prevenir complicações e promover o bem-estar do indivíduo
-Readquirir capacidades de forma a participar na comunidade.
A educação do indivíduo e o desenvolvimento de capacidade de auto cuidado são as operações, ou o processo, desenvolvidas pela equipa de reabilitação para auxiliar o indivíduo com incapacidade a atingir o objectivo da reabilitação (McCourt, 1993). O processo da enfermagem de reabilitação envolve uma abordagem centrada na resolução de problemas, com avaliação das necessidades, planeamento, intervenções e a avaliação dos resultados (American Nurses’ Association & the Association of Rehabilition Nurses, 1988).

Definição de Enfermagem de Reabilitação
A Enfermagem de Reabilitação consiste no diagnóstico e tratamento das respostas humanas de indivíduos e grupos a problemas de saúde reais ou potenciais, que advêm da alteração da capacidade funcional e do estilo de vida (American Nurses’ Association & the Association of Rehabilition Nurses, 1988, p.4).
As características da enfermagem de reabilitação descritas por Mumma (1987, p. 13) são as seguintes:
-Ser praticada numa base de relação terapêutica, dinâmica e de apoio, que está em constante mudança, progresso ou regressão consoante o enfermeiro e indivíduo se influenciam mutuamente;
-Ser praticada numa larga variedade de instituições de saúde e na comunidade
-Necessita de uma base de conhecimentos alargada
-utiliza o processo de enfermagem para atingir resultados individualizados e com qualidade para o indivíduo, como definido em Standards of Rehabilitation Nursing Practice (Arn, 1994).
-É praticada em colaboração com os outros membros da equipa multidisciplinar de reabilitação para facilitar a prossecução geral dos objectivos da reabilitação.

Principais papéis do enfermeiro de Reabilitação
Os papéis do enfermeiro de reabilitação estão relacionados com a crença filosófica de que o doente com incapacidade tem o direito de se tornar um perito nos seus cuidados de saúde. O papel principal é o de professor ou Educador do indivíduo (McCourt, 1993). A informação é transmitida ao indivíduo e aos seus familiares mais significativos, para os auxiliar a tornarem-se profundamente conhecedores da sua incapacidade ou doença, e ensiná-los a prevenir complicações no futuro. O foco principal é passar da doença para um estado de saúde e aprender a mantê-la para o resto da vida do indivíduo, e não apenas durante o internamento hospitalar. Quando se está a ensinar, as competências devem evoluir do mais simples para o mais complexo.
O segundo papel é o de Prestador de Cuidados. O enfermeiro é o principal prestador de cuidados da equipa de reabilitação. O enfermeiro presta cuidados do tipo hands-on, enquanto o indivíduo ou a família desenvolvem as competências. As actividades têm como objectivo a recuperação da função, manutenção da função e a prevenção de complicações e futura perda de função (Mumma, 1987). O conhecimento necessário para prestar estes cuidados é bastante extenso. O enfermeiro de reabilitação deve não só ser um perito sobre os conceitos de enfermagem de reabilitação, mas também ser um generalista e ter conhecimentos sobre procedimentos e técnicas de medicina, cirurgia, pediatria, obstetrícia, psiquiatria e cuidados intensivos. Dependendo da população usuária num determinado momento, um enfermeiro de reabilitação terá oportunidade de usar todos os seus conhecimentos no programa de ensino. O enfermeiro deve também compreender os conhecimentos dos restantes membros da equipa multidisciplinar, pois parte do papel de prestador de cuidados é auxiliar o indivíduo a transferir e aplicar as competências que foram aprendidas na terapia nas suas actividades do dia a dia (Stryker, 1977).
Para providenciar estes cuidados, Stryker (1977, p. 20) afirmou que o enfermeiro de reabilitação precisa de ter paciência e compreensão enquanto o indivíduo luta com as actividades de vida diárias. O enfermeiro deve saber o que pode fazer a diferença entre a dependência e independência (Stryker, 1977) e saber quando deve fazer pelo indivíduo e quando deve insistir para que o doente realize as tarefas sozinho.
O terceiro papel é o de Conselheiro. O enfermeiro de reabilitação auxilia os indivíduos e família a descobrirem as forças que possuem e que podem não se aperceber sozinhos. Eles auxiliam o indivíduo para que este se actualize em relação ao seu novo estado de saúde. Capacidade de comunicação e de escuta são imprescindíveis para que este papel seja eficaz. O enfermeiro deve observar a envolvente de cada indivíduo, vendo-o de uma perspectiva orientada para as capacidades que ele possui. O enfermeiro de reabilitação ajuda quer o indivíduo quer a família a visualizarem a sua nova vida (Stryker, 1977).
O quarto papel do enfermeiro de reabilitação é o de Coordenador de Cuidados. O enfermeiro é o único membro da equipa de reabilitação cujo trabalho influencia o doente 7 dias por semana, 24 horas por dia. O conhecimento e compreensão da dinâmica de grupo é crítico, pois o enfermeiro de reabilitação interliga e coordena os cuidados com os membros profissionais e leigos da equipa. (Dittmar, 1989). Os indivíduos são ajudados a adquirirem capacidades eficazes de resolução de problemas e eventualmente a tornarem-se os seus próprios peritos em saúde (McCourt, 1993).
No papel de Advogado do Indivíduo, o enfermeiro comunica as necessidades do indivíduo aos outros membros da equipa e colabora com ele, fazendo a ponte entre a profissão médica e as profissões não médicas que trabalham para o bem estar do doente (McCourt, 1993; Mumma, 1987).
O sexto papel do enfermeiro de reabilitação é o de Investigador. Os resultados das investigações, que possam ser benéficos para o doente, devem ser colocados em prática. O enfermeiro de reabilitação deve também participar em estudos de investigação ou elaborar, ele mesmo, os estudos que considere apropriados (McCourt, 1993).
Finalmente, à medida que os enfermeiros de reabilitação ganham experiência e perícia no ramo, também podem ser chamados para exercerem o papel de Consultor Legal ou Testemunha. Neste papel, os enfermeiros providenciam o conhecimento e competências necessárias essenciais em processos legais, ou pode ser-lhes pedido que elaborem o planeamento dos cuidados ao longo da sua vida, como se fosse uma prestação de serviços, para o indivíduo, família ou profissionais médicos e legais. Este planeamento projecta as necessidades actuais e futuras, em termos de cuidados médicos e custos (McCourt, 1993).

Envolvimento da família
A necessidade de ver a família ou as pessoas significativas, bem como o indivíduo, como parte integrante da equipa de reabilitação já foi mencionado anteriormente. A família deve ser incluída no processo de reabilitação desde o início (Dittmar, 1989; Watson, 1987). Eles, bem como o indivíduo, também terão de lidar com a incapacidade e viver com as suas consequências muito depois de o indivíduo ter tido alta hospitalar. Para que a reabilitação e o ensino sejam incorporados na vida diária, é necessário que exista total cooperação e compromisso por parte da família (Mumma & Nelson, 1996).
O enfermeiro de reabilitação tem de avaliar o estado emocional de cada membro da família, a sua capacidade física de cuidar do indivíduo, se tal for necessário, e os seus conhecimentos e necessidades de ensino. As barreiras culturais e religiosas também devem ser identificadas. Potenciais problemas com o papel de prestador de cuidados, capacidade de lidar com os problemas, entre outros, podem ser identificados no início do processo de reabilitação. As alterações emocionais a que os prestadores de cuidados estão sujeitos também devem ser tidas em consideração. Os enfermeiros devem estar atentos face ao facto de o isolamento social e a fadiga poderem surgir se apenas um dos familiares for o único que se ocupa do indivíduo em reabilitação. Deve ser feita uma avaliação se os outros membros da família estão disponíveis para ajudar e deve ser fornecida informação acerca de grupos de apoio e outros recursos da comunidade (Muslof, 1991).
O acordo da família, bem como do indivíduo, acerca do plano de cuidados deve ser obtido no dia da admissão ou pouco tempo depois. O enfermeiro de reabilitação deve permitir que os membros da família façam perguntas e recebam apoio emocional (Watson, 1987). As suas opiniões e preocupações devem ser ouvidas e os conflitos resolvidos.

Locais de actuação
A enfermagem de reabilitação pode ser realizada numa grande variedade de locais. Apesar de a maioria dos enfermeiros de reabilitação se encontrarem em unidades de reabilitação ou hospitais, as áreas de actuação sub-agudas, como as casas de saúde e clínicas de companhias de seguros encontram-se em franca expansão. A clínica privada, instituições educacionais e hospitais gerais são outros locais onde se podem encontrar enfermeiros de reabilitação. Todas as faixas etárias são tratadas, dependendo da sua situação.
Stryker (1977) enfatizou que a reabilitação é uma parte dos cuidados de saúde, não apenas uma fase. Ela escreveu que para que um doente receba um maior benefício da reabilitação, é imperativo que seja visto como um processo que se inicia quando o doente sofre a doença ou trauma. A reabilitação, afirma Stryker, tem sido muitas vezes referida como uma terceira fase dos cuidados médicos, o que implica que seja separada dos cuidados intensivos e de convalescença. “Este tipo de pensamento priva o indivíduo de vários aspectos fulcrais da reabilitação” observou Stryker (1977, p. 12), como o aprender a prevenir úlceras de pressão e contracturas, ou como manter as capacidades existentes. Impede que o indivíduo seja capaz de visualizar o futuro como sendo satisfatório e não ajuda os familiares a prepararem-se, e ao ambiente que os rodeia para as mudanças necessárias. As mesmas intervenções que são ensinadas durante a reabilitação deveriam existir no início da doença. Stryker (1977) escreveu que as medidas tomadas durante os cuidados intensivos podem ser diminuídas e melhorado o processo de reabilitação. A reabilitação deve iniciar-se aquando do início da doença aguda ou trauma ou aquando dos primeiros sintomas de uma doença debilitante (Stryker, 1977).
Terceiros têm vindo a modificar e influenciar o tipo de locais onde os cuidados de reabilitação são prestados, quando o indivíduo está estabilizado. Devido ao aumento dos custos de saúde, as companhias de seguros, como a Medicare e a Medicaid, estão a pressionar para o mais baixo nível de cuidados de reabilitação possíveis. Assim, muitos indivíduos (como os que sofreram lesões ortopédicas, como as fracturas da anca e cirurgias de joelho), que antigamente seriam colocados num local de cuidados de reabilitação intensivos após a cirurgia, têm vindo a ser transferidos para unidades especializadas ou têm alta e são seguidos em cuidados domiciliários. Esta pressão para que todos os procedimentos médicos e cuidados sejam prestados em locais de baixo custo está a redefinir a forma como os cuidados de reabilitação são prestados.
A média de tempo de internamento para a reabilitação aguda diminuiu drasticamente nos últimos anos, de 52.2 dias em 1978 (S. Sonic, personal communication, March 23, 1993) para 18 dias em 1994 (Fiedler, Granger & Ottenbacher, 1996). Este facto apresenta-se como um desafio para os enfermeiros de reabilitação e para a equipa de reabilitação, para educar e permitir que um indivíduo seja o mais independente possível num espaço de tempo mais curto. O ambulatório e os cuidados domiciliários tornam-se cruciais.

População Alvo
As populações alvo para os serviços de reabilitação continuam a expandir-se, 2-3 % da população dos Estados Unidos, ou cerca de 5 milhões, têm doenças crónicas ou incapacidades, cujo tratamento requer serviços de reabilitação (Kotte &Lehman, 1990). “os AVC são a terceira maior causa de morte nos estados unidos e a maior causa de incapacidade entre adultos” (Gresham et al., 1995, p.1), com 550,000 casos em cada ano (Gresham et al). Assim sendo, é o principal diagnóstico visto em locais de reabilitação. Conjugado com os AVC’s, as lesões ortopédicas, doenças musculo-esqueléticas, lesões da espinal-medula, lesões cerebrais, esclerose múltipla, Síndrome de Guillian-Barré, indivíduos com doenças pulmonares e cardíacas, oncologia, dor, queimaduras, síndrome da imunodeficiência adquirida (SIDA), dependências químicas, síndrome pós-poliomielite, entre outros, são diagnósticos que são tratados nestes locais.

Conclusão
A Reabilitação é um processo que dura a vida inteira e que é levado a cabo pelo doente, família e equipa multidisciplinar, em trabalho conjunto (Dittmar, 1989). A enfermeira de reabilitação é um membro crítico desta equipa. Sem a coordenação, educação e aplicação dos princípios de reabilitação fornecidos pelos enfermeiros de reabilitação, o processo de reabilitação não poderia ocorrer. Morrisey (1949b) afirmou que o enfermeiro deve usar as suas competências como um músico faz. O tecido da vida é tecido de forma muito semelhante à música. Um enfermeiro com as correctas competências usa ”os seus conhecimentos e experiência para criar harmonia na estrutura do todo” (Morrissey, 1949b, p. 454). O enfermeiro de reabilitação ajuda o indivíduo e a sua família a tecer as suas vidas novamente e retornar à comunidade e aos seus papéis como membros produtivos da sociedade.

Autor: Feio (Porto) em 1986