Segundo Kant um ser racional age autonomamente de acordo com a sua perspectiva do bem individual e do bem comum, uma vez que o ser humano ao possuir desejo e vontade é, necessariamente, um fim em si mesmo, possuindo um valor intrínseco e não instrumental.
Enquanto cidadãos e profissionais de saúde, devemos encarar qualquer pessoa respeitando-a, na sua autonomia e independência, na sua liberdade na esfera de decisão, com crenças e valores próprios que devem em qualquer circunstância ser respeitados.
É neste contexto que surge o Consentimento informado, que se orienta segundo o respeito pela liberdade da pessoa e a promoção do seu bem e procura dar resposta a evolução assustadora da tecnologia biomédica, pois a determinada altura surgiu a necessidade de questionar se tudo aquilo que é tecnicamente possível é eticamente legítimo.
O conceito de vida humana assume actualmente valorações muito distintas, e neste âmbito as duas teorias éticas fundamentais, a deontologia e o utilitarismo, entram muitas vezes em divergência, “Todas as acções humanas têm uma dimensão ética intrínseca, que as categoriza em certas ou erradas segundo os valores predominantes na sociedade”, tornando-se necessário tomar as acções que visem o “ o melhor para o maior número de pessoas possível”, no entanto é algo que não se revela fácil na medida em “ que numa sociedade plural e secularizada, onde as pessoas se encontram como «estranhos morais», não é possível obter-se um consenso no que respeita à adopção de uma visão única do bem comum”. Compete ao Homem, segundo Hans Jonas, o respeito e “fazer respeitar o valor fundamental que é a vida, em particular a vida humana.
Porém, de acordo com Beauchamp e Childress (1994), o facto de não existir consenso a nível teórico, não invalida que se reconheçam os princípios que orientam a prática clínica: respeito pela autonomia, beneficência, não-malificiência, justiça e vulnerabilidade. Estes princípios não possuem uma ordem hierárquica, e permitem uma fácil percepção no plano conceptual a fim de definir qual a decisão a tomar em cada contexto e qual o agente com capacidade para decidir.
O princípio do respeito pela autonomia vem quebrar com a velha prática clínica, em que o médico exercia um sentimento de paternalismo sobre o doente, decidindo o que seria ideal para este baseando-se no princípio da beneficência, isto é, o médico agia de acordo com aquilo que considerava ser o melhor interesse do paciente.
Actualmente, e devido a aceitação da hipótese que considera que médico e doente possam ter valores diferentes, é conferido ao doente o direito à sua autonomia, isto é exercer a sua vontade, assim os profissionais de saúde têm de respeitar as deliberações dos doente e ver o doente como um parceiro de cuidados o que implica necessariamente a partilha de informação e discussão de alternativas com os pacientes. O profissional tem também o direito de manifestar objecção de consciência e o doente não pode exigir algo não médico e que não surja no seguimento da finalidade da medicina.
O princípio da justiça refere-se à justa distribuição de recursos na sociedade, no entanto muitas vezes torna-se um dilema a selecção de candidatos igualmente elegíveis, para uma intervenção que apenas pode ser aplicada a um menor número de pessoas.
O princípio da vulnerabilidade, por sua vez, reconhece que existem alguns limites ao exercício da autonomia, uma vez que existem muitas pessoas que se encontram momentaneamente ou intemporalmente vulneráveis com a sua integridade física ou psicológica afectada, que não podem exercer o seu direito à autonomia de forma plena e coerente. Deste modo e a fim a evitar que a pessoa se prejudique a si própria, o princípio da beneficência ser privilegiado, em detrimento do da autonomia.
O consentimento informado, livre e esclarecido surgiu pela primeira vez em 1931 e é um direito que subjaz a todos os seres humanos na posse de:
-Competência da esfera da decisão (a partir dos 14 anos)
-Informação apropriada (comunicação)
-Compreensão
-Inexistência de coerção
“Competência para decidir implica que o paciente seja capaz compreender a informação, de decidir relativamente às escolhas possíveis e de comunicar a sua decisão”.
Este conceito surgiu pela necessidade do respeito pela autonomia dos doentes, atribuindo a estes a decisão final sobre si próprio e o seu tratamento, e pela necessidade de ver respeitada a sua dignidade humana (promoção da sua capacidade para pensar, decidir e agir).
A competência designa a “capacidade para efectuar uma tarefa” e está relacionada com a decisão a ser tomada, assim uma pessoa pode ser incompetente para realizar uma determinada tarefa, mas ser competente para realizar uma outra, diferente ou mais simples. Nos cuidados de saúde, a competência do doente distingue se as suas decisões devem ser respeitadas, ou se ele deve ter um representante legal.
Quando a incompetência se deve a uma causa reversível (dor, sofrimento ou efeito da medicação) o prestador de cuidados, deve tentar restituir ao paciente a capacidade de decisão. A competência individual pode variar no tempo. Muitas vezes mesmo o doente mental é considerado um parceiro na tomada de decisão. O nível de competência exigível deve ser avaliado de acordo com a situação.
Todos nós nos apresentamos vulneráveis em alguns momentos da nossa vida, pelo que, nestas situações de vulnerabilidade cabe ao profissional de saúde a responsabilidade de avaliar o grau de perturbação, e perceber se a decisão é livre de qualquer tipo de influência perturbadora, manipuladoras ou coerciva.
A pessoa só é totalmente livre se decidir quando se encontra no uso pleno da sua racionalidade, sem quaisquer constrangimentos (emocionais, passionais…).
Assim o consentimento informado só é aceite se:
-O sujeito tiver a capacidade para compreender a informação material
-For capaz de fazer um julgamento sobre essa informação à luz do seu próprio sistema de valores
-Elaborar mentalmente uma resposta
-Comunicar livremente o seu desejo ao profissional de saúde ou equipa de investigação.
Os profissionais de saúde desempenham um papel de grande responsabilidade em toda esta situação, na medida em que lhes compete avaliar e saber qual é o nível de competência exigido a cada situação e ainda compreenderem o doente, o sentido de se inteirarem sobre as suas capacidades físicas e psíquicas.
O profissional de saúde deve ainda transmitir numa linguagem acessível ao doente, não usando terminologia demasiado técnica, os riscos mais prováveis de ocorrência de complicações, num clima acolhedor, de segurança e tranquilidade, para que se estabeleça uma verdadeira relação terapêutica de confiança e respeito, e assegurar-se que o doente percebeu tudo o que foi dito. O consentimento informado só é usado em situações de risco superior ao mínimo.
Em certos casos o profissional pode omitir determinada informação, de acordo com o princípio da beneficência, se achar que esta prejudica o doente, devendo no entanto evitar esta acção. Outra situação em que não se revela a informação, é o caso de o doente pedir ou demonstrar explicitamente que não deseja ser informado.
Perspectivas novas que o texto trás e aspectos do mesmo que foram mais significativos para o grupo:
Embora se tente bastante, ainda hoje os doentes internados se sentem desamparados e vulneráveis por não se encontrarem no contexto de vida diário. Os profissionais de saúde, geralmente, informam o doente de todos os procedimentos, contudo, por vezes, não se preocupam com a validação dessa mesma informação.
Os enfermeiros esforçam-se por dar autonomia aos doentes na participação nos cuidados no entanto, não fazem no que respeita à tomada de decisões, isto é, no consentimento informado. De facto, cabe-nos a nós, enquanto futuros profissionais de saúde, interiorizarmos o que realmente é o consentimento informado, pondo-o em prática. Assim de acordo com Simone de Beauvoir “Nós, para os outros, apenas criamos pontos de partida”.
Este texto também permitiu ter uma melhor noção dos direitos dos doentes, os valores que é necessário ter em conta na prestação de cuidados de enfermagem e que devem ser respeitados bem como, as leis vigentes na república portuguesa relativamente a este conceito de extrema importância para a adequação dos cuidados aos nossos pacientes.
Coloca-se-nos a questão se os enfermeiros deverão ter conhecimentos de outras línguas e de língua gestual, de modo a proceder a uma melhor transmissão das informações e a estabelecer uma relação terapêutica benéfica para que o doente compreenda as informações transmitidas e decida com plena consciência dos riscos e benefícios que a sua decisão poderá acarretar.
Em suma, como centro do universo bioético encontramos a pessoa “ substância individual de natureza racional” (BOÉCIO).
Autora: A A