Incontinência Urinária


A Incontinência urinária (IU) é, de acordo com a ICS (International Continence Society):
“qualquer perda involuntária de urina, inaceitável do ponto de vista social ou de higiene, para o paciente ou para quem lhe preste cuidados de saúde”.
A incontinência urinária afecta cerca de 60 milhões de pessoas em todo o mundo, sendo que 13 milhões de mulheres se encontram afectadas pela patologia só no Estados Unidos.
Estima-se que mais de 30-40% das mulheres sofram de sintomas relacionados com a patologia durante a sua vida. Em Portugal, cerca de 20% da população sofre de incontinência, dividindo-se em cerca de 22,2% das mulheres e 9,2% dos homens. A partir dos 40 anos existe uma relação de três para um, entre mulheres e homens, e sensivelmente, a cada 5 pessoas, uma sofre de sintomas associados à patologia. No entanto, é a partir dos 70 anos nas mulheres e 80 anos de idade nos homens que se evidencia uma maior prevalência da doença.
Mais de 70% destas mulheres não procuram ajuda médica, inicialmente pelo embaraço social, ou ainda por desconhecerem a ajuda disponível. A percentagem de doentes que recorreram ao médico e foram correctamente diagnosticadas e medicadas, é de apenas 5 %, o que se deve ser considerado grave uma vez que existem hoje armas terapêuticas capazes de controlar e até curar a maior parte das situações, em cerca de 90% dos casos.
O conceito social de que a incontinência faz parte do processo do envelhecimento já não é aceitável, sobretudo numa sociedade em que a esperança média de vida das mulheres atinge os 80 a 90 anos de idade, a quem temos o dever de proporcionar uma boa e longa qualidade de vida. Este é um conceito importante uma vez que a relação da prevalência da patologia com a idade está bem demonstrada.
ÍNDICE
  • A Incontinência Urinária
  • Anatomia Normal
  • Abordagem Diagnostica
  •   Incontinência Urinária de Esforço
  •   Incontinência Urinária de Urgência
  •   Incontinência Urinária Mista
 
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O sistema urinário inferior está dividido em três parte: a bexiga, o colo vesical e a uretra. A bexiga é um órgão muscular, coberto por epitélio de transição. A sua camada muscular é composta por três camadas de músculo liso, que no seu conjunto formam o músculo detrusor da bexiga.
Na base da bexiga encontra-se o trígono, limitado superiormente pelos dois orifícios ureterais e inferiormente pelo meato uretral interno. É constituído por duas camadas musculares: a camada profunda, que partilha uma inervação colinérgica autónoma com o detrusor, e a superficial, que sofre uma inervação noradrenergica.
O esfincter da uretra não é uma estrutura bem delimitada. É antes uma rede complexa e bem interligada de fibras de músculo liso e estriado, que respondem neurofisiologicamente aos variáveis graus de pressão vesical, facilitando quer o armazenamento, quer a micção.
A uretra feminina tem cerca de 3 a 4 cm de comprimento. O uro-epitélio é estratificado pavimentoso.
A estrutura e suporte do colo vesical e da uretra constituem uma importância primordial na continência urinária. Juntos, o músculo estriado da uretra e os músculos periuretrais compõem o mecanismo de esfíncter externo da uretra. Este, em conjunto com o músculo elevador do ânus, funcionam no reflexo da contracção.
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A inervação do sistema urinário inferior é considerada parte do sistema autónomo e do sistema somático. O sistema autónomo recebe a sensação visceral e regula o músculo liso activamente durante a função consciente e involuntária. Este sistema é composto por fibras de inervação simpática de T11 a L2 e parassimpática de S2 a S4.
Fig. 3 – Inervação do sistema urinário inferior
O controlo voluntário da micção é controlado pelo sistema nervoso central, nomeadamente na porção supramedial do lobo frontal e no joelho do corpo caloso. Pela interacção das fibras sensitivas aferentes e das fibras modulares motoras eferentes, o resultado é a inibição tónica da contracção do detrusor.
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A protuberância e a formação reticular do mesencéfalo constituem o centro da micção. A activação do reflexo conduz a uma série de eventos que terminam no relaxamento da musculatura estriada da uretra e contracção do detrusor, o que resulta na abertura do colo vesical e da uretra.
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Qualquer lesão que ocorra a um destes níveis pode estar na origem da incontinência urinária, pelo que é importante conhecer pormenorizadamente este mecanismo.
ABORDAGEM DIAGNÓSTICA
O primeiro passo na avaliação destes pacientes é a boa colheita da história. A natureza e extensão das queixas do sistema urinário inferior devem ser bem elucidadas. O conhecimento da duração, frequência, e severidade da incontinência é essencial para perceber as implicações sociais e na qualidade de vida da doente, e auxilia o clínico a determinar as medidas diagnósticas e terapêuticas a ser tomadas. Conhecer os hábitos de utilização de ferramentas protectoras como toalhetes sanitários, pensos absorventes ou fraldas para adultos, é útil na quantificação da perda de urina. Devem ser incluídas questões acerca do estado menopausico e tratamento hormonal, história de infecções do sistema urinário, cirurgias prévias, co-morbilidades (IC, DM, DPOC…) e o status mental e funcional da doente, são fundamentais.
Pode recorrer-se aos chamados testes de qualidade de vida, que consistem em questionários a aplicar no ambiente de consulta, e que permitem aferir acerca do impacto da patologia na qualidade de vida das doentes, e a partir daí, a sua gravidade.
A IU pode ser um sinal, um sintoma ou uma condição diagnosticada pelo examinador. Assim, as queixas podem ser múltiplas, indicando diferentes entidades diagnósticas dentro da IU, nomeadamente: Incontinência urinária (queixa de perdas involuntárias), Incontinência urinária de esforço (queixa de perdas involuntárias com o esforço, ao tossir ou espirrar), Urgência (queixa de desejo súbito de urinar), Incontinência urinária de urgência (queixa de perdas involuntárias acompanhadas ou imediatamente precedidas por urgência), Incontinência urinária Mista (queixa de perdas involuntárias associadas a urgência e também a exercício, esforço, espirros ou tosse), Aumento da frequência diurna (queixa da paciente, que considera que urina demasiadas vezes durante o dia), Noctúria (queixa de que a paciente tem que acordar uma vez ou mais por noite, para urinar), Enurese nocturna (queixa de perda de ocorrência de urina durante o sono).
Cerca de 52% das doentes referem queixas de perdas involuntárias pelo menos uma vez por dia, enquanto que 23% referem-nas apenas uma vez por semana.
São vários os factores de risco que influenciam a continência urinária, no entanto, a incontinência não é geralmente atribuível apenas a um factor isoladamente. Entre eles encontram-se a idade, a lesão da neuromusculatura do pavimento pélvico, como o trauma associado a partos anteriores, a função hormonal, patologia genética (diferenças do tecido conjuntivo, por exemplo), etc. Sendo algumas destas causas reversíveis, após terapêutica adequada consegue-se a remissão completa das queixas, podendo então falar-se de Incontinência Urinária Transitória.
A IU está estreitamente associada à idade, sobretudo depois da menopausa, embora a causa específica não seja clara. A diminuição global da capacidade de armazenamento, menor resposta dos receptores, diminuição do tónus muscular, manifestação latente da desinervação aquando de um parto prévio, são todos factores importantes. O hipoestrogenismo na transição para a menopausa pode também contribuir para a incontinência.
Estudos mostram que a prevalência de hérnias abdominais, varizes e prolapso uterino, é superior em mulheres com IU de esforço, sugerindo que o enfraquecimento do tecido conjuntivo pode identificar mulheres em risco de desenvolver incontinência.
A incontinência afecta a qualidade de vida das mulheres, é desconfortável e um problema constrangedor. O impacto psicossocial na paciente e na sua família é enorme. Estas mulheres têm tendência para a depressão, baixa auto-estima, e vergonha da aparência e odor. Tem impacto no desejo sexual e diminui esta actividade. Pela inter-relação de todas estas consequências são pessoas que têm tendência ao isolamento.
O exame objectivo da paciente com incontinência urinária deve focar-se não só na componente uro-ginecológica mas também em condições médicas gerais que podem afectar o aparelho urinário inferior. Estas incluem insuficiência cardiovascular, doença pulmonar, doença neurológica e massas abdominais (quadro 1).
O exame pélvico pode demonstrar hipotonia do pavimento pélvico, presença de qualquer grau de prolapso, rectocelo, cistocelo e mobilidade da parede anterior da vagina. O Q-tip test é utilizado para determinar a mobilidade da parede anterior da vagina com a manobra de valsalva e baseia-se na introdução de um cotonete na uretra (cerca de 4 cm), seguida da realização de uma manobra de valsalva lenta pela paciente de modo a que seja possível medir a amplitude do movimento do cotonete. Consideram-se normais valores de amplitude até 30º. Valores superiores apontam para hipermobilidade uretral. O seu interesse prende-se com o diagnóstico da incontinência urinária de esforço e com o estudo do valor curativo do tratamento cirúrgico embora o seu valor preditivo seja baixo.
Neurológico
Estado de consciência
Sensibilidade perineal
Reflexos perineais
Reflexo rotuliano
Exame abdominal
Pesquisa de massas
Cardiovascular
Insuficiência cardíaca congestiva
Edema das extremidades inferiores
Exame pélvico
Prolapso
Atrofia
Palpação do músculo levantador do anús
Função do esfíncter anal
Mobilidade uretral – Q-tip test
Quadro 1 – Exame físico de mulher com incontinência urinária
Os exames auxiliares de diagnóstico incluem testes simples que devem fazer parte da avaliação em cuidados primários e testes avançados dos quais se destacam os testes urodinâmicos.
Registo diário das micções ou diário das micções – o cartão de frequência/volume é um registo de micções efectuado pela paciente ao longo de vários dias no qual deve constar: hora de cada micção, volume urinado, episódios de incontinência assim como as actividades que estiveram na sua origem. Pode ser, de igual modo, registado o volume de líquidos ingeridos de modo a sugerir-se alterações comportamentais que possam ajudar a gerir as perdas. O diário das micções fornece informação importante sobre o funcionamento do aparelho urinário inferior que não se pode obter por estudos urodinâmicos formais: diurese das 24 horas, número total de micções diárias, número de micções nocturnas, volume médio urinado e a capacidade funcional da bexiga. Esta informação permite ao clínico obter um registo objectivo da frequência urinária assim como dos episódios de incontinência e das condições com eles associados.
Análise sumária e exame directo e cultural da urina – É utilizada para excluir infecção, hematúria ou anomalias metabólicas.
Se existir infecção urinária é essencial observar se os sintomas de incontinência melhoram com a erradicação da bacteriúria. Por vezes, uma infecção urinária simples causa ou agrava a clínica de incontinência.
A hematúria como achado isolado deve servir de alerta para excluir tumor renal ou da bexiga.
Das doenças metabólicas que podem agravar as queixas de incontinência, merece destaque a diabetes mellitus ou insípida que aumentam o volume urinário de forma importante.
Volume Residual Pós-Miccional – O esvaziamento incompleto da bexiga pode causar incontinência. Os pacientes com um aumento do volume residual pós-miccional apresentam uma diminuição da capacidade funcional da bexiga devido ao espaço morto ocupado na bexiga pela urina retida.
Um volume residual aumentado contribui para a incontinência urinária de dois modos. Por um lado, se houver distensão da bexiga, um aumento na pressão intra-abdominal torna-se mais preponderante, podendo ocorrer incontinência de esforço. Por outro lado, essa mesma distensão pode causar contracções não inibidas do detrusor e hiperactividade vesical com incontinência de urgência.
A medição pode ser efectuada por ecografia ou, mais frequentemente, por cateterismo vesical. Esta deve ser realizada até um máximo de 10 minutos após a micção. É consenso que o resíduo pós-miccional inferior a 50 ml é normal e que, quando superior a 200 ml, encontra-se elevado. Contudo, os valores entre 50 e 200 geram ainda controvérsia.
Teste da tosse – O exame deve ser feito com a bexiga cheia especialmente se a suspeita for de incontinência de esforço. Consiste em pedir à paciente para tossir na posição de decúbito e observar se existem perdas. Caso estas sejam negativas deve repetir-se a manobra na posição de pé com os membros inferiores em abdução.
Pad test – pode ser usado em pesquisa orientada pelo paciente para monitorizar a eficácia de um tratamento mas raramente é prática clínica corrente. O teste permite quantificar as perdas de urina após tarefas específicas. È executado pedindo a uma mulher com a bexiga cheia que realize tarefas específicas sendo as perdas quantificadas por pesagem de pensos higiénicos. Pode ser feito em contexto de consultório ou no domicílio. Considera-se que o teste é positivo quando ocorre um ganho de pelo menos um grama para um teste de uma hora ou de mais de quatro gramas para um teste de 24 horas.
Testes urodinâmicos – Ao nível básico, um estudo urodinâmico é todo aquele que permite estudar de forma objectiva as funções do aparelho urinário inferior nomeadamente as de armazenamento, transporte e esvaziamento da urina. Nesta medida, vários dos procedimentos referidos anteriormente poderiam ser classificados como testes urodinâmicos, no entanto reservam-se a este grupo procedimentos como a urofluxometria e a cistomanometria.
Os testes urodinâmicos são utilizados para completar o estudo iniciado pelos métodos anteriores sendo o seu propósito fundamental correlacionar as queixas documentadas e caracterizadas pela história clínica e testes de primeira linha com os achados urodinâmicos. É preciso compreender a natureza das queixas dos doentes, utilizando a avaliação urodinâmica como um teste provocativo que mimetize os sintomas.
Os estudos urodinâmicos são utilizados em contexto do estudo não só da incontinência urinária, mas também em casos de obstrução infra-vesical, disfunção neurogénica da bexiga e em crianças com distúrbios da continência ou da micção. Em sede do estudo da incontinência urinária, os testes urodinâmicos são executados nas seguintes situações:
  • Diagnóstico incerto por discrepância entre os dados da história e os obtidos pelos outros testes
  • Quando se considera a realização de cirurgia
  • Hematúria na ausência de infecção
  • Aumento do resíduo pós-miccional
  • Doença neurológica que pode complicar tratamento (p.e. esclerose múltipla)
  • Prolapso marcado
  • Tentativas cirúrgicas anteriores
Urofluxometria - O fluxo urinário é uma das variáveis do acto miccional que pode ser avaliada tanto pela simples observação visual do jacto urinário, como pelo registro gráfico. A urofluxometria é a medida do fluxo urinário (volume de urina que passa pela uretra em uma unidade de tempo) e que é expressa em ml/s. Pode ser registrada em gráficos em que o eixo das coordenadas representa o tempo, e o das ordenadas, os fluxos instantâneos, possibilitando a construção de gráficos que retratam o acto miccional de determinado paciente. A fluxometria é um teste urodinâmico não-invasivo. Representa em última análise a resultante final da integração de factores relativos à função vesical e uretral, como a contractilidade vesical, o relaxamento uretral adequado sem presença de obstrução mecânica infra-vesical e a participação de mecanismos auxiliares, como prensa abdominal.
Os parâmetros estudados na fluxometria, esquematicamente representados na figura 5, são: volume urinado, fluxo máximo, tempo para o fluxo máximo, tempo de micção, fluxo médio (volume urinado / tempo de micção) e padrão de curva fluxométrica. Recomenda-se, sempre que possível, avaliar o resíduo pós-miccional.
A fluxometria é interpretada em termos de taxa de fluxos e padrão da curva, que pode ser contínuo ou descontínuo. As taxas de fluxo são interpretadas considerando-se o sexo, a idade e o volume urinado.
Figura 5 – Parâmetros da fluxometria.
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Assim sendo, vários padrões de curvas podem ser obtidos (fig. 6).
Figura 6 – Padrões de curvas de fluxometria
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Destes, aquele que pode surgir em contexto de incontinência urinária, é o presente na curva G. Nesta, as taxas de fluxo são extremamente elevadas, frequentemente ultrapassando a escala de papel registro, com tempo de micção diminuído. Este padrão sugere hiperactividade do detrusor e pode ser observado em crianças e mulheres com incontinência urinária de urgência.
Cistomanometria – é o registro da relação pressão/volume da bexiga durante a fase de enchimento vesical. É um exame básico da avaliação urodinâmica, sendo indicado praticamente em todos os tipos de disfunção do trato urinário baixo. As funções da bexiga são armazenar volumes crescentes de urina sob baixa pressão e promover de seu esvaziamento voluntário e completo. A cistometria auxilia na avaliação destas funções, correlacionando os sintomas do paciente com os registros urodinâmicos.
Oferece informação a respeito dos seguintes parâmetros:
· Sensibilidade vesical
· Pressões de enchimento vesical
· Contractilidade vesical: presença de contracções involuntárias/instabilidade vesical
· Complacência vesical
· Capacidade vesical
· Controle sobre a micção.
O procedimento consiste no enchimento vesical artificial com solução salina por cateterismo vesical ou, menos frequentemente, punção supra-púbica. Deste modo avalia-se a sensibilidade vesical através da primeira sensação de enchimento vesical, volume do primeiro desejo miccional, volume de sensação de micção imperiosa e volumes de urgência e dor.
As pressões de enchimento podem ser apenas relativas à bexiga (cistomanometria simples) ou podem ser determinadas em simultâneo as pressões vesical, abdominal e do detrusor através da fórmula: Pdet = Pves – Pabd.
As avaliações das contracções do detrusor em função do enchimento da bexiga permitem definir situações de instabilidade vesical na incontinência urinária de urgência.
Para além disso, é possível observar as variações de pressão aquando da realização de manobra de valsalva na incontinência urinária de esforço.
A figura 7 ilustra alguns dos padrões de curvas obtidos na cistomanometria.
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Figura 7 – Padrões de curvas de cistomanometria.
CLASSIFICAÇÃO DA INCONTINÊNCIA URINÁRIA
Existem vários tipos e causas de incontinência urinária, entre eles, a IU de esforço, de Urgência, Mista, Overflow, Funcional e IU Extra-Uretral. Neste trabalho focaremos sobretudo as primeiras três.
INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE ESFORÇO (IUE)
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Define-se como a ocorrência de perdas involuntárias de urina pela uretra, associada a esforços físicos que conduzem ao aumento da pressão abdominal, na ausência de contracção do detrusor, originando uma saída súbita de urina. Os esforços mais associados são a tosse, o riso e o espirro, mas à medida que a doença se vai agravando, pequenos esforços, como andar ou correr podem, também, ser causa desta patologia.
Os mecanismos fisiológicos que permitem a continência urinária prendem-se com a pressão específica de encerramento da uretra e transmissão das pressões abdominais à bexiga e uretra.
Se a pressão abdominal aumentar muito, a continência é facilitada, visto que, esta pressão repercute-se na bexiga, sob a forma de pressão intra-vesical, transmitindo-se à uretra e somando-se à sua pressão de encerramento normal. Deste modo, numa uretra em posição normal há transmissão das pressões abdominais, não permitindo perdas urinárias
A incontinência de esforço ocorre, então, por hipermobilidade da uretra, deficiência intrínseca do esfíncter uretral ou causas mistas.
A IUE ocorre em duas situações distintas. A primeira, que corresponde à grande maioria dos casos, a uretra conserva a sua função de esfíncter. Em repouso, a pressão uretral é maior que a pressão vesical, mantendo a continência. No entanto, se houver prolapsos, lesões ou enfraquecimento do pavimento pélvico (musculatura e tecido conectivo – ligamentos e tendões), durante o esforço há um aumento da pressão abdominal que não é transmitido igualmente para a uretra e para a bexiga, de modo que a pressão vesical torna-se superior à pressão uretral, ocorrendo perdas urinárias. A transmissão desigual da pressão abdominal é devida à hipermobilidade do colo vesical e da uretra proximal por abaixamento e deslocamento para fora da cavidade abdominal. Essa situação é conhecida como IUE anatómica.
Na segunda condição ocorre lesão do mecanismo esfíncteriano intrínseco da uretra. A pressão uretral é constantemente baixa, por se encontrar entreaberto (hipotónico e/ou rígido) e a perda urinária ocorre geralmente aos mínimos esforços. Nesta situação, pode não existir hipermobilidade do colo vesical, que em geral se encontra fixo com a uretra fibrosada. A lesão do mecanismo esfíncteriano intrínseco da uretra, conhecida como IUE esfíncteriana, pode decorrer de cirurgias prévias, trauma, mielodisplasias e hipoestrogenismo, entre outras causas.
Esta situação também pode ocorrer quando se administram bloqueadores alfa adrenérgicos, visto que estes, ao relaxarem o colo vesical, diminuem a pressão de encerramento uretral e podem causar incontinência de esforço.
O enfraquecimento do pavimento pélvico pode resultar:
  • Gravidez e parto - o aumento do peso e da pressão abdominal durante a gravidez, associados ao esforço na altura do parto, podem enfraquecer os músculos do pavimento pélvico. Outros aspectos da gravidez e do parto podem afectar igualmente a função urinária, incluindo o parto normal (vaginal), a episiotomia e lesões neuronais de controlo vesical.
  • Menopausa ou deficiência estrogénica - o estrogénio ajuda a manter o revestimento da bexiga e da uretra espesso e saudável. A sua diminuição após a menopausa ou outras razões, pode causar o enfraquecimento dos músculo detrusor. Esta é também uma das razões porque a incontinência de esforço pode agravar-se na semana anterior ao aparecimento da menstruação, altura em que os níveis de estrogénio diminuem no organismo.
  • Cirurgia ginecológica - a bexiga e o útero estão muito próximos um do outro na pélvis e são suportados pelos mesmos músculos e ligamentos. Certos procedimentos cirúrgicos que envolvem o sistema reprodutor da mulher, como por exemplo, a histerectomia, apresentam risco de lesões nos músculos ou nervos adjacentes, ou no tracto urinário, o que pode originar incontinência.
  • Obesidade - o excesso de peso pode exercer uma pressão constante sobre a bexiga e sobre os músculos que a rodeiam, enfraquecendo-os e permitindo a saída de urina para o exterior por pequenos esforços.
  • Exercício físico muito intenso - alguns tipos de desportos de alto impacto (atletismo, basquetebol ou ginástica) podem causar episódios de incontinência pelo facto de exercerem pressões fortes e súbitas sobre a bexiga, provocando a saída de urina pelo esfíncter urinário.
  • Levantamento de pesos ou esforços excessivos habituais.
TRATAMENTO DA IUE
O tratamento da IUE geralmente é cirúrgico, porém, várias alternativas médicas vêm sendo propostas.
  1. Tratamento médico
Existem várias modalidades de tratamento médico da IUE. De entre elas podemos citar os exercícios da musculatura pélvica, os cones vaginais, as técnicas de “biofeedback”, a electroestimulação períneal e o tratamento medicamentoso.
Fig. 9 – Exercícios perineais.
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Exercícios períneais - Introduzidos por Kegel na década de 40, consistem em contracções controladas e sistematizadas dos músculos do pavimento pélvico (na ausência de contracção de outros grupos musculares) que permitem o seu aumento da capacidade de contracção reflexa e voluntária, melhorando a função esfíncteriana. As contracções devem ser fortes e repetitivas, devendo manter-se pelo maior período de tempo possível, enquanto o fisioterapeuta avalia a ausência ou não de contracção dos músculos abdominais, quadris e glúteos.
Fig. 10 – Cones vaginais.
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Cones vaginais - Método apresentado por Plevnik e seus colaboradores (1985). Constituem pequenas cápsulas em formato anatómico compostas de chumbo e recobertas por uma camada plástica, com um cordão de nylon no ápice de cada cone; os pesos variam de 20 a 100 gramas (numerados de 1 a 9, em ordem crescente). São utilizados com a finalidade de aumentar a força e a resistência da musculatura períneal através de uma sequência de exercícios coordenados – subir e descer escadas e rampas, correr, pular e contrair o períneo na posição de cócoras. O método é indicado apenas em casos leves e moderados de incontinência urinária, obtendo-se 80% de satisfação nos resultados obtidos, apesar de proporcionar algumas reacções adversas (cerca de 10%) como dor local, hemorragias e infecções.
Fig. 11 – Biofeedback.
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“Biofeedback” - método de aprendizagem e reeducação, no qual a doente poderá visualizar ou ter percepção táctil de um acontecimento fisiológico inconsciente. Deve aprender a contrair a musculatura pubococcígena ao redor dos dedos do examinador durante o toque vaginal. A contracção deve ser visualizada podendo-se utilizar transdutores de pressão ou eléctrodos que forneçam documentação gráfica ou imagens, onde esta possa observar o que ocorre e comprovar seu progresso. Um desses transdutores de pressão é a “Perina” criada por Kegel: um dispositivo vaginal com sensor de pressão ligado a um manómetro, capaz de medir a intensidade e duração da contracção períneal.
Deste modo, é possível compreender o biofeedback como uma técnica comportamental, na qual são utilizados instrumentos visuais ou auditivos para tomar consciente a função do detrusor e da uretra. As pacientes podem ser ensinadas a reconhecer e aumentar a força contráctil de grupos musculares anteriormente não compreendidos. Esta técnica pode ser associada aos exercícios períneais para melhoria dos resultados finais.
Eletroestimulação – Técnica empregada a partir de 1952, a qual visa promover o reforço da musculatura pélvica, o aumento do tónus da uretra e a vascularização da região. O tratamento é realizado introduzindo-se na vagina um eléctrodo semelhante a um absorvente interno. O eléctrodo é ligado a uma fonte geradora de impulsos eléctricos que promovem a contracção da musculatura períneal. É importante ressaltar que para os resultados serem obtidos é fundamental que existam fibras nervosas íntegras ou parcialmente viáveis.
Apesar dos resultados promissores na percentagem de cura ou melhoria parcial – incontinência leve (71%), moderada (33%) e grave (25%) – e dos poucos efeitos adversos, a sua utilização clínica é actualmente utilizada em pequena escala.
A terapêutica farmacológica baseia-se no aumento da pressão de encerramento da uretra, o que se obtém com agonistas alfa-adrenérgicos como, por exemplo a fenilpropanolamina e a pseudoefedrina. Contudo estes medicamentos devem ser utilizados com cuidado devido aos efeitos que podem originar, nomeadamente no aumento da pressão arterial, insuficiência coronária e disrritmias.
  1. Terapêutica cirúrgica
Podem ser utilizadas várias técnicas de acordo com a causa da IU.
Na hipermobilidade da uretra são actualmente utilizadas técnicas cirúrgicas iniciadas na década de 1990, a que se dá o nome de TVT- “Tension-free Vaginal Tape", que corresponde à colocação de uma fita vaginal sem tensão que envolve o implante de uma faixa de polipropileno na uretra média, através de uma incisão vaginal mínima. O TVT corresponde a um sling e, portanto, causa o aumento da resistência uretral a partir da criação de uma zona de suporte sub-uretral, que evita o movimento rotacional e descendente da uretra, mesmo quando há um aumento da pressão abdominal.
A aplicação sem tensão minimiza o problema da erosão uretral,verificado com outros slings sintéticos previamente propostos. A mudança de padrão não reside apenas na eliminação da tensão, mas principalmente pela colocação do sling por via vaginal, nos terços médio e distal da uretra, e não ao nível do colo vesical.
Esta cirurgia via vaginal é muito rápida (cerca de meia hora), apresenta uma taxa de sucesso de 90% e implica um internamento que pode ser de um único dia, podendo ser realizada com anestesia local ou epidural. O TVT passou, deste modo, a ser a forma de tratamento mais indicada para a IUE.
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O TVT é uma cirurgia simples e rápida, mas apresenta alguns riscos (2%), sobretudo pela sua colocação via espaço retroperitoneal, podendo ocorrer perfuração da bexiga. Para evitar esta possibilidade foi desenvolvida em 2003 uma nova técnica denominada TVTO (TVT Obturador), o primeiro sucedâneo do TVT. Nesta técnica, as fitas vaginais não correm o risco de atingir a bexiga, pois dirigem-se aos buracos obturadores, atravessam-nos e saem por duas incisões cutâneas nos membros inferiores. O TVTO apresenta uma taxa de cura semelhante, um pouco mais rápida e a recuperação é igualmente boa. Actualmente a tendência em Portugal é que as cirurgias sejam mais de 70% TVTO que TVT.
Mais recentemente, foi desenvolvido um novo TVT - TVT SECUR - de localização única na uretra, ficando suspensa nos tecidos moles da pelvis. A cirurgia é semelhante às outras, contudo, esta fita vaginal é mais curta, rápida de colocar e pode ser realizada em ambulatório, pelo que a doente não necessita ficar internada. Esta fita fica “mais solta” e é a própria cicatrização dos tecidos que envolvem a fita, que permitem a estabilização da uretra. Esta consiste numa técnica menos invasiva e complexa, que implica menor risco hemorrágico e de trauma, na medida em que há uma menor dissecção dos tecidos. Provoca menos dores, visto que não atravessa a musculatura abdominal, nem possui saídas na pele. Esta é uma cirurgia de elevada eficácia, mas ainda se encontra em fase de aprendizagem em Portugal.
Na insuficiência esfíncteriana, muito mais rara, o objectivo é aumentar a resistência uretral, o que pode ser obtido através de injecções periuretrais, “slings”, nomeadamente, o TVT ou esfíncteres artificiais.
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As injecções periuretrais podem ser utilizadas no tratamento da IUE esfincteriana sem hipermobilidade do colo vesical associada. O objectivo do tratamento é a injecção de substâncias biocompatíveis entre a submucosa uretral e a membrana muscular da uretra a fim de produzir coaptação uretral. As substâncias mais utilizadas para esse fim são a pasta de teflon, o colágeno bovino purificado e estabilizado, a lipoinjecção autóloga e, mais recentemente, os balões periuretrais.
Os “slings” pubovaginais foram descritos há muito tempo como alternativa para o aumento da resistência uretral. A tensão, propositadamente colocada ao nível da uretra, foi responsável pela alta incidência de retenção urinária pós-operatória. Recentemente, a utilização de retalhos mais longos de aponevrose, bem como a utilização de materiais sintéticos ou absorvíveis, permitiu a abordagem combinada por via abdominal e vaginal, simplificando o procedimento e melhorando os resultados. Com essa técnica, obtém-se uma alça pubovaginal ou “sling” que dará apoio posterior e coaptará a mucosa uretral quando ocorrer a sua descida fisiológica durante o esforço. É importante não tracçionar a alça para evitar retenção urinária no pós-operatório devido à compressão da junção uretrovesical, melhorando assim os resultados obtidos. Tendo em vista os bons resultados obtidos com os “slings” aponevróticos em casos complexos de IUE, acredita-se que deva ser essa a conduta de escolha nos de IUE por lesão esfíncteriana intrínseca, bem como naqueles casos cujo risco de insucesso é grande, como nas pacientes obesas, com doença pulmonar obstrutiva crônica e radioterapia pélvica. Recentemente simplificações dos “slings” têm sido realizadas, destacando-se o suporte tendíneo vagianal (STV), no qual uma fita aponevrótica sintética é ancorada aos arcos tendíneos bilateralmente, sem necessidade de perfurar a fáscia endopélvica. Outra opção de procedimento microinvasivo e passível de ser realizada com anestesia local e a nível ambulatório é o TVT, referido anteriormente.
O esfíncter artificial apresenta riscos elevados, sendo mais utilizado no sexo masculino, após cirurgia da próstata.
INCONTINÊNCIA URINÁRIA DE URGÊNCIA (IUU)
Esta patologia está associada a uma condição designada por bexiga hiperactiva (overactive bladder – OAB) ou instabilidade do detrusor que consiste numa perturbação da fase de armazenamento da urina que se caracteriza por contracções involuntárias do detrusor, desencadeando urgência miccional. Nos casos em que se verifica um esvaziamento involuntário da bexiga acompanhado ou imediatamente precedido por urgência ou imperiosidade urinária, fala-se em IUU.
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Fig.15 – Prevalência da IUU nos EUA.
A IUU apresenta uma distribuição mundial com incidências superiores a patologias como a diabetes ou asma. A sua prevalência varia de 5 – 40% na população em geral e cerca de 35% em ♀ > 75 anos. Apesar da IUE ser a forma mais comum, a IUU é a mais frequente em mulheres idosas.
Na maioria das vezes não é possível atribuir uma etiologia concreta à IUU, sendo designada de idiopática ou instabilidade do detrusor. Contudo, por vezes estão presentes lesões neurológicas de base, muitas delas características da idade avançada, nomeadamente demência, doença de Alzheimer ou Parkinson e sequelas de AVC; patologias como a esclerose múltipla ou ainda existência de traumatismos prévios. Em qualquer dos casos em que se verifique lesão neurológica, podendo estar afectado o centro da micção (protuberância e formação reticular), a área cortical de controlo do detrusor (lobo frontal e joelho do corpo caloso) ou o arco reflexo (medula espinhal), deixa de haver controlo adequado do reflexo da micção.

Independentemente da etiologia, a bexiga hiperactiva é uma patologia definida com base nos sintomas associados: urgência ou imperiosidade, frequência aumentada, quer diurna (polaquiúria) quer nocturna (nictúria), com ou sem incontinência (OAB-wet ou OAB-dry).
Fig.16 – Prevalência dos sintomas na bexiga hiperactiva.
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Quadro 2 – Fisiopatologia da bexiga hiperactiva.
TRATAMENTO DA IUU
Um tratamento óptimo implica a análise do problema de forma individualizada e varia segundo a sua natureza específica, sendo possível actualmente obter um controlo sintomático considerável ou até a resolução clínica completa.
  1. Abordagem terapêutica conservadora (1ªlinha)
Muitas vezes o tratamento exige apenas que se adoptem medidas comportamentais, começando por alterações na dieta, evitando os irritantes da bexiga, como alimentos picantes e ácidos, bebidas gaseificadas e contendo cafeína, e limitar a ingesta hídrica (de seis a oito copos por dia). A toma de medicamentos que afectam o funcionamento da bexiga de modo adverso deverá também ser revista.
Deve ser levada a cabo uma reeducação urinária – treino vesical – estabelecendo um horário para urinar com intervalos regulares (agenda miccional), aumentando progressivamente os intervalos até se obter um controlo desejável. O recurso aos exercícios pélvicos de Kegel – reabilitação períneo esfícteriana – embora com maior importância nos casos de IUE, provoca contracção dos músculos pélvicos e esfíncterianos, aumentando a tonicidade do pavimento pélvico e também parecem ter um papel importante na diminuição da hiperactividade do detrusor. Ainda a referir a técnica de biofeedback, com colocação de eléctrodos no pavimento pélvico, que funciona como reforço positivo dos exercícios pélvicos, permitindo ao doente verificar se está a realizar os exercícios de forma adequada.
Quando as medidas comportamentais não têm efeito ou por algum motivo não são as mais indicadas, deve ser considerada a terapêutica farmacológica ou ainda combinada (farmacológica e comportamental).
Fig. 17 – Inervação do trato urinário inferior.
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Tendo em conta que a Acetilcolina é o principal neurotransmissor da contracção do detrusor, actuando nos receptores muscarínicos (M3), a classe farmacológica mais importante é dos anticolinérgicos – inibem as contracções vesicais involuntárias diminuindo o tónus do detrusor. São exemplos destes fármacos a oxibutinina (Ditropan®), o cloreto de trospio (Spasmoplex®) ou a tolterrodina (Detrusitol®). É necessário avaliar os possíveis efeitos adversos típicos desta classe farmacológica (mucosas secas, taquicardia, visão turva, etc.) Além destes fármacos, os antiespasmódicos como o flavoxanato (Urispas®) também podem ser úteis diminuindo a tonicidade e irritabilidade do detrusor.
Por outro lado, podemos recorrer aos alfa-adrenérgicos (pseudoefedrina) cuja acção passa pelo aumento da contracção do colo vesical e do tónus do músculo liso do esfíncter uretra, reduzindo desta forma as perdas urinárias. No entanto, esta terapêutica cursa com efeitos secundários significativos (retenção urinária, HTA, etc). Ainda como recurso terapêutico, embora em desuso, temos os antidepressivos tricíclicos (ADTs), nomeadamente a Imipramina que, em doses inferiores às antidepressivas, aumenta a complience vesical e diminui a contracção do detrusor; é contudo mais utilizada na IU Mista e na enurese nocturna das crianças.
  1. Abordagem terapêutica de 2ª linha
Para os doentes com hiperactividade do detrusor refractária à terapêutica conservadora, existem novas abordagens terapêuticas mas que, quer pela sua recente aplicação clínica, quer pelos elevados custos suportados, não estão ainda difusamente implementadas. São elas o BTX-A® e o InterStim®.
Desde há cerca de 10 anos, a toxina botulínica do tipo A (BTX-A®) ou Botox como é conhecida, elaborada a partir da toxina da bactéria Clostridium botulinum, tem sido testada em vários serviços urológicos do mundo, apresentando resultados benéficos expressivos no controlo da bexiga hiperactiva. Sabendo que a toxina botulínica actua nas terminações nervosas colinérgicas inibindo a libertação de acetilcolina, o principal neurotransmissor da contracção muscular do detrusor, pretendem-se inibir as contracções involuntárias geradoras da incontinência de urgência. Tal é conseguido quando injectado em 15 a 30 pontos da parede interna da bexiga, através de cistoscopia sob anestesia local (epidural). Tem a vantagem de não apresentar os efeitos adversos dos anticolinérgicos orais e de ter um efeito prolongado,
Fig. 18 – Injecções de BTX-A por cistoscopia.
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podendo chegar a um ano antes de necessitar de nova aplicação.
Num estudo[1] levado a cabo pela Universidade de Pittsburgh EUA, 150 doentes com OAB (overactive bladder) e queixas urinárias, foram injectados com BTX-A®, sendo que 82% relataram uma redução ou ausência da incontinência após cerca de sete dias e os sintomas foram aliviados em aproximadamente seis meses. Nenhum dos doentes teve complicações do tratamento, como incontinência tensional ou retenção urinária.
Fig. 19 – Esquema da neuromodelação.
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Outro tratamento para os casos refractários, ainda não disponível em Portugal, consiste na neuromodelação ou estimulação nervosa sagrada (sacral nerve stimulation) tendo sido o InterStim®, desenvolvido pela Medtronic, o primeiro modelo terapêutico. A neuromodelação consiste na estimulação da raiz sagrada (preferencialmente S3) através de um pequeno implante cirúrgico que pelo envio de pulsos eléctricos modula os reflexos neurais conduzidos ao detrusor, diminuindo deste modo a actividade inadequada, ou seja, a hiperactividade do detrusor.
A terapêutica com o InterStim® é realizada em duas fases distintas: uma fase de teste em que o implante cirúrgico do nervo sagrado é ligado inicialmente a um estimulador externo portátil, preso à cintura do paciente que, durante alguns dias, deverá registar num diário as melhorias sentidas/verificadas com a neuroestimulação. Se se verificar uma melhoria sintomática superior a 50% existe então indicação para implantar internamente um estimulador definitivo acima da região glútea ou abdómen – fase de implantação. Os ajustes da intensidade da estimulação podem ser feitos em ambulatório, recorrendo a um programador de mão que transmite as informações para o estimulador via telemetria. A Terapia Interstim® é reversível, podendo ser desligada a qualquer momento. Até à data foram registadas algumas complicações advenientes da técnica, nomeadamente alguns casos de dor no local da implantação, migração do eléctrodo ou infecção. Ainda a referir um período de latência de cerca de 6 meses até obtenção de um controlo sintomático próximo do fisiológico. Em diversos estudos[2]
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Fig. 20 – Representação esquemática do InterStim®.
realizados nos EUA obtiveram-se resultados positivos em cerca de 60% dos casos.
Se não se puder controlar a incontinência por completo com os tratamentos específicos, a roupa interior e os absorventes especialmente concebidos para a incontinência podem proteger a pele e permitir que as pessoas se sintam secas, cómodas e socialmente activas. Estas peças são discretas e de fácil acesso.

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INCONTINÊNCIA URINÁRIA MISTA (IUM)
Como a própria designação indica, as mulheres com incontinência urinária mista apresentam sintomas simultaneamente de esforço e de urgência. È a segunda forma mais prevalente de incontinência urinária a seguir à incontinência de esforço pura, afectando 29 a 44% da população feminina incontinente.
O maior desafio em relação a este tipo de incontinência, é a abordagem terapêutica, sendo que o debate incide sobre qual a melhor primeira abordagem terapêutica – cirúrgica ou médica.
As opiniões divergem de acordo com diferentes autores. No entanto, quando existe hiperactividade vesical documentada por testes urodinâmicos e esta é moderada a grave, é aceite que a primeira abordagem deve ser farmacológica com antimuscarínicos, independentemente da gravidade das perdas por esforço. Só no caso de esta não ser eficaz é que se utiliza a cirurgia.
A dúvida surge nos casos em que a hiperactividade é ligeira e as perdas por esforço são importantes. Nestes casos, alguns autores defendem uma abordagem inicialmente e cirúrgica seguida de tratamento farmacológico se sintomas de urgência persistirem. No entanto, mesmo nestes casos, a maioria dos autores defende que antes da cirurgia deve ser tentado o tratamento médico complementado por modificação de comportamentos, controle de factores de agravamento e realização de exercícios perineais.
Por fim, resta acrescentar, que existem defensores de que a escolha deve depender de quais os primeiros sintomas a surgirem – os de esforço ou os de urgência.
BIBLIOGRAFIA
  • Decherry, A.; Nathan, L.; Lanfer, N.; Goodwin, T.; Current Diagnosis and Treatment, McGrawHill, 10ª edição, p.735-751.
  • British Journal of Urology, vol.101 n.º9, Maio 2008.
  • Ouslander JG., Management of overactive bladder, New England Journal of Medicine, 2004;350:786-799.
  • APNUG (Associação Portuguesa de Neuro-Urologia e Uro-ginecologia)
  • Agência Lusa
  • Manual Merck para a Família

[1] Ouslander JG. Management of overactive bladder. N Engl J Med. 2004;350:786-799.
[2] Neuromodulation techniques in the treatment of OAB. BJU International, volume 101 nº 9, May 2008.