Estudo de Caso - Artroplastia total da anca

INTRODUÇÃO

No âmbito da realização do curso de pós licenciatura de especialização em enfermagem de reabilitação e área interdisciplinar, onde há um envolvimento activo dos formandos na sua formação, preconiza-se a realização de um estudo de caso com plano de intervenção. Este estudo e plano de intervenção deverá incluir o acompanhamento da família na comunidade, com levantamento das necessidades de saúde.
Etiologicamente, estudo de caso, significa análise e reflexão sobre um facto ou acontecimento.
A esperança de vida aumentou, este é um facto que já ninguém ousa questionar. Com o envelhecimento ocorrem alterações fisiológicas, entre as quais, as do sistema músculo-esquelético, onde os tecidos conjuntivos perdem alguma elasticidade, particularmente a cartilagem articular, ocorrendo uma degeneração da mesma. Uma das articulações mais afectadas é a da anca, devido a processos artróticos e conduzindo em alguns casos á artroplastia, tendo obviamente um impacto na intervenção por parte do enfermeiro de reabilitação.
Segundo DeLisa (2002), a maior incidência de artroplastia da anca ocorre em utentes com idades entre 65 e 79 anos e cerca de 65% dos utentes são do sexo feminino. As artroplastias totais da anca estão entre os procedimentos cirúrgicos mais realizados e mais bem sucedidos, resultando em melhoria significativa na qualidade de vida da pessoa. O objectivo de qualquer programa de reabilitação, além de maximizar o estado funcional da pessoa relativamente á mobilidade e ás actividades de vida diária é o de minimizar as complicações do pós-operatório.

O presente estudo de caso visa a análise, reflexão e intervenção numa situação onde a pessoa foi submetida a artroplastia total da anca e para a qual foi elaborado um plano de intervenção transversal á ocorrência onde está implícita a acção do enfermeiro de reabilitação.


1. ANATOMIA E FISIOLOGIA DA ARTICULAÇÃO DA ANCA
A articulação da anca é a mais próximal do membro inferior, situa-se logo na sua raiz, tem como função orientar o membro inferior em todas as direcções do espaço, razão pela qual possui três eixos e três graus de liberdade.
A articulação da anca é dotada de menor amplitude de movimento quando comparada com a do ombro, mas, é claramente mais estável. É a articulação mais difícil de ser luxada de todo o corpo, características estas condicionadas ao facto de possuir a função de suporte do peso do corpo e de locomoção assumida pelo membro inferior.
“ É ao nível do quadril que foi iniciada a era das próteses articulares, que transformou a cirurgia do aparelho locomotor. Esta articulação, aparentemente modelada, já que suas superfícies articulares são muito próximas das de uma esfera, apresenta ainda numerosos problemas: dimensão da esfera prótesica, natureza das superfícies em contacto ligada ás questões do coeficiente de atrito, de resistência do uso, de toxicidade eventual consequente ao desgaste normal e sobretudo pelo modo de ligação com o osso vivo, dado pela questão da fixação. É por causa do quadril que a pesquisa sobre as próteses foi a que mais se desenvolveu e onde o número de modelos é maior.”. (KAPANDJI, 2000, p. 12)

1.1 ARTROLOGIA DA ANCA
A articulação da anca ou coxo-femural une o fémur ao osso coxal, encontra-se em situação profunda e envolvida por potentes massas musculares.
A articulação da anca classifica-se em enartrose.
As superfícies articulares são do lado do fémur, uma superfície esférica, a cabeça do fémur e, do lado do osso coxal, a cavidade cotiloideia que é aumentada pelo debrum cotiloideu.
A cabeça do fémur representa 2/3 de uma esfera. Por baixo e atrás do seu centro, existe uma depressão, a fosseta do ligamento redondo, onde se insere este ligamento.
A cavidade cotiloideia ou acetábulo, está limitada externamente pelo rebordo cotiloideu, que apresenta três chanfraduras: a chanfradura anterior ou ílio-púbica; a chanfradura posterior ou ílio-isquiática, e a chanfradura inferior ou isquio-púbica, sendo esta a mais larga e a mais profunda.
A cabeça do fémur é revestida por uma camada de cartilagem hialina, cuja espessura diminui do centro para a periferia. A cavidade cotiloideia encontra-se coberta por uma cartilagem articular cuja espessura aumenta do centro para a periferia, ao contrário da anterior.
As duas superfícies articulares mantém-se em contacto pela cápsula articular e com o reforço de três ligamentos: o ligamento ílio-femural; o ligamento isquio-femural e o ligamento pubo-femural.
O ligamento redondo é um ligamento independente, que une a cabeça do fémur á chanfradura isquio-púbica.
A sinovial da articulação coxo-femural é formada por duas porções distintas: uma constitui a sinovial propriamente dita, que corresponde á cápsula articular e a outra, a bainha sinovial do ligamento redondo. A figura seguinte apresenta a artrologia da articulação da anca a complementar o anterior texto.



Figura nº 1 – Artrologia da anca


Fonte: NETTER Atlas de Anatomia Humana, 1997

1.2 MIOLOGIA DA ANCA

Os músculos representam um papel importante e essencial na estabilidade da articulação da anca. Os músculos da coxa (anca) são classificados em antero-externos, internos e posteriores.
Músculos antero-externos da coxa
Os músculos antero-externos da coxa inserem-se no ílion e na tíbia e são classificados em músculos iliotibiais, são eles o costureiro e o tensor da fascia lata. Quando se insere no ilion, na tíbia e no fémur, são os músculos ílio-fémuro-tibiais, e o único existente é o quadricipete crural.

Músculos internos da coxa
Os músculos internos da coxa chamam-se pubo-femurais quando se inserem no púbis e no fémur como o pectíneo e os três adutores. Os pubo-tibiais quando se inserem no púbis e na tíbia como o recto interno.
Músculos posteriores da coxa
Os músculos posteriores da coxa inserem-se na tuberosidade isquiática e classificam-se em músculos isquio-femuro-peroniais, quando se inserem no isquion, fémur e perónio como o bicípite crural. Quando se inserem no isquion e na tíbia são os músculos isquio-tibiais e são exemplo o semitendinoso e semimembranoso. (PINA, 1995)
1.3 MIOLOGIA FUNCIONAL DA ANCA
A articulação da anca executa movimentos de flexão, extensão, abdução, adução, rotação externa e interna. Todos estes movimentos resultam da acção conjunta de vários músculos. O seguinte quadro apresenta o movimento associado á amplitude e principais músculos responsáveis.

Movimento
Amplitude
Músculos
Flexão
120º
Psoas-iliaco;
Tensor da fascia lata;
Pectíneo;
Médio adutor
Extensão
20º
Grande, médio e pequeno glúteo;
Grande adutor;
Piramidal da bacia;
Semimembranoso;
Semitendinoso;
Bicípite crural
Abdução
90º
Médio glúteo;
Tensor da fascia lata;
Grande glúteo;
Pequeno glúteo
Adução
30º
Grande, médio e pequeno adutor;
Grande glúteo;
Recto interno
Rotação externa
50º
Grande glúteo;
Quadrado crural;
Obturador interno;
Médio glúteo
Rotação interna
40º
Médio glúteo;
Pequeno glúteo;
Tensor da fascia lata;
Grande adutor.

Fonte: PINA, Anatomia Humana da Locomoção, 1995

Acrescenta-se o facto de que na flexão da articulação da anca, aquando a flexão do joelho, ela pode atingir uma amplitude de 140º ou ainda mais quando esta mesma flexão é apoiada com uma força nesse sentido.

2. A PESSOA COM PATOLOGIA ARTICULAR DA ANCA

A Artrose é uma entidade patológica que se classifica como uma artropatia crónica, e caracteriza-se por uma alteração destrutiva das cartilagens e do aparelho capsulo-ligamentar das articulações, decorrentes de um processo degenerativo não inflamatório, que afecta especialmente as articulações que sustentam o peso.
As mulheres são duas vezes mais afectadas que os homens e factores de risco como a obesidade e a idade avançada podem ser importantes para a progressão da doença. O alerta foi dado pelo American College of Rheumatology (http:/saude.sapo.pt/gco/109685.html)
As articulações mais atingidas são a coluna vertebral, principalmente os segmentos cervicais e lombares, coxo-fémurais, joelhos, interfalângicas distais, etc.
As articulações do punho e da tíbio-társica raramente são atingidas. As artroses têm tendência para a bilateralidade ao nível dos membros.
Os principais sintomas são a dor, a rigidez e a limitação dos movimentos e em fases mais avançadas a deformação. A dor agrava-se com os movimentos e com os esforços, e melhora com o repouso, se este não for em excesso. A dor é sempre localizada ao nível da articulação afectada, e muitas vezes é irradiada.
A rigidez surge muitas vezes ao iniciar os movimentos; de manhã ao acordar a rigidez é de curta duração. A limitação dos movimentos pode surgir precocemente e gerar grande incapacidade, as deformações articulares só acontecem numa fase mais tardia, pode-se por vezes encontrar tumefacção articular, crepitação articular, dor à pressão e à mobilização, atrofia muscular periarticular, posições viciosas por contractura muscular ou retracção fibrosa da cápsula e ligamentos. A artrose da articulação da Anca designa-se por Coxartrose.
Coxartrose
Artrose da anca, que se manifesta através de dores e limitação dolorosa da flexão. (MANUILA et al, 2000)
 A Coxartrose pode ser primária ou secundária:
Þ     Primária - aparecendo quase exclusivamente depois dos 40 anos de idade;
Þ     Secundária - a uma malformação congénita da anca ou a uma artrite;
Os sintomas mais comuns são as dores que se sentem ao nível da coxa quando se exercem esforços, na altura de começar a andar, depois de uma imobilização prolongada numa determinada posição, quando sobe e principalmente quando desce escadas. (MANUILA et al, 2000)
A dor provocada pelo andar e a rigidez da anca podem associar-se a uma posição viciosa e sobretudo a limitação dolorosa dos movimentos da anca. A coxartrose é muitas vezes acompanhada por deformação da cavidade cotiloideia e da cabeça do fémur. (MANUILA et al, 2000)
Existem dois tipos de tratamento da Coxartrose:
Tratamento Conservador
O tratamento conservador é constituído em primeiro lugar, por uma indicação terapêutica que apela ao bom senso e consiste em chamar a atenção do utente para a necessidade de repousar quando está com dor e em segundo lugar, um tratamento farmacológico. (http://www.cto.med.br)

Tratamento Cirúrgico

Quando o tratamento conservador não se demonstra suficiente, recorre-se ao tratamento cirúrgico em que se realiza a substituição da articulação da anca por uma prótese.

Porquê da Cirurgia

A perda de mobilidade de uma articulação e a sua deformação comprometem seriamente o desenvolvimento das actividades do dia-a-dia do utente, por sua vez a inflamação que acompanha a destruição articular é responsável pelo aparecimento da dor, elemento determinante no agravamento do sofrimento e incapacidade funcional. (http://www.cto.med.br)
O objectivo da cirurgia é o de restabelecer a forma da articulação, devolver-lhe estabilidade, mobilidade e suprimir ao máximo a dor. O desenvolvimento de implantes artificiais - próteses - é sem dúvida o avanço cirúrgico, mais notável do século XX , na área da cirurgia ortopédica. (http://www.cto.med.br)
Artroplastia  é designada por uma substituição das superfícies articulares por implantes artificiais.

 Artroplastia da Anca
A artroplastia é um processo cirúrgico que visa substituir de todo, (a cabeça do fémur e o acetábulo), ou em parte, (apenas o acetábulo) uma articulação da anca "doente" por uma peça artificial (prótese). (Carvalho, 2001)
A principal finalidade da colocação da prótese da anca é, promover o alívio da dor e restituir a função, de forma a que o indivíduos voltem a realizar a sua vida do dia a dia da forma mais funcional e independente possível. (Carvalho, 2001)
As substituições da anca foram as primeiras operações deste tipo a serem realizadas, sendo actualmente aplicável ao cotovelo, joelho, ombro, certas articulações da mão, e às articulações metatarsofalângicas do pé. (Carvalho, 2001)
A artroplastia da anca é realizada na maior parte dos casos em idosos que apresentam os movimentos das articulações limitados e muito dolorosos, em consequência normalmente de osteoartrite, ou por vezes devido a outras patologias. Também poderá ser necessária se, na artrite reumatóide, esta se propagou à articulação da anca, tornando a marcha difícil, ou nos casos em que a extremidade superior do fémur tenha sofrido uma fractura grave. (Carvalho, 2001)
Existem outros casos em que a artroplastia da anca se encontra indicada como: necrose avascular, tumores ósseos, espondilite anquilosante e artrite reumatóide juvenil. Normalmente esta operação não se encontra indicada para jovens devido à maior actividade, consequentemente com maiores esforços, que estes exercem sobre a articulação e devido à durabilidade da prótese. (Carvalho, 2001)
A artroplastia pode ser de três tipos:
Þ     Artroplastia de cúpula simples;
Þ     Artroplastia de cúpulas emparelhadas;
Þ     Prótese total da anca.
A prótese da anca apresenta duas componentes
Þ     Componente femoral, que substitui a cabeça do fémur;
Þ     Componente acetabular, que substitui o acetábulo e é constituído por uma concha metálica e um revestimento plástico
Figura 2 - Componente Femoral (www.nyorthopaedics.com)
      Figura 3 - Componente Acetabular (www.nyorthopaedics.com)
A componente femural é constituída por metal (algumas delas apresentam uma “bola” cerâmica “agarrada” ao componente femural).
Existem três tipos de próteses:
A Cimentada e Não Cimentada são as mais utilizadas. Contudo alguns autores falam ainda das próteses híbridas em que um dos componentes é cimentado e o outro é não cimentado. O tipo de prótese é escolhido pelo cirurgião consoante a idade e o estilo de vida do utente, esta escolha é feita tendo em conta a experiência do cirurgião. (CARVALHO, 2001)
Prótese Cimentada
É mais utilizada em indivíduos mais idosos, menos activos e em pessoas que apresentam fragilidade óssea.
Figura 4 - Prótese Cimentada da  anca. (www.nyorthopaedics.com)

Prótese Não Cimentada

Figura 5 - Prótese Não Cimentada da  anca. (www.nyorthopaedics.com)
A forma como é colocada a prótese determina intervenções diferentes pelo enfermeiro pelo que se deve ter em conta qual a abordagem feita pelo cirurgião.
1.    Via de Moore- incisão cirúrgica de cerca de 15 cm, na face laterno-externa proximal da coxa (CANEIRA; p.77) (mais utilizada neste serviço)

2.    Via anterior directa – incisão cirúrgica altero- proximal da coxa
1 .- O doente deverá ser posicionado em decúbito dorsal com o membro operado em rotação externa. Não deve fazer adução e rotação interna.clip_image002

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2– O doente deverá ser posicionado em decúbito dorsal com o membro operado em posição neutra. Não deve fazer a abdução nem a rotação externa
Em ambas as vias o membro operado deve ser posicionado com uma almofada pequena, na região poplitea de forma a fazer uma flexão de cerca de 30º.A almofada deverá ser utilizada apenas por períodos de 2 horas alternando com períodos de uma hora sem almofada

Indicações para colocação de Prótese da Anca

A Prótese da Anca é usada para:
·         Corrigir deformidades resultantes da osteoartrite;
·         Artrite reumatóide;
·         Necrose avascular da cabeça femoral
·         Outras patologias da articulação coxo-femural
·         Outras artrites (pós-traumáticas e sépticas de origem tuberculosa)
·          Epifisiolise da cabeça do fémur
·         Doença de Legg-Perthes-Calvé
·         Doença de Paget
·         Fracturas
Contra-indicações para a colocação de Prótese Total da Anca
São contra-indicações para a cirurgia da Prótese da Anca:
  • Mas­sa óssea inadequada;
  • Suporte periarticular inadequado;
  • Sinais de infecção;
  • Falta de mo­tivação, de conhecimento e colaboração do utente, para executar as precauções a seguir com a reabilitação;
  • Se não for possível aumentar o nível funcional do utente. (Carvalho, 2001)
As próteses utilizadas actualmente têm um tempo de vida projectado para menos de 20 anos. Portanto, os candidatos à Prótese da Anca são usualmente utentes com idade superior a 60 anos. Nos mais jovens o recurso a esta cirurgia é efectuado quando o estado funcional está severamente comprometido e a dor se torna in­tolerável. No caso de uma fractura, os utentes mais jovens são tratados com uma fixação com redução interna aberta sempre que praticável. (Carvalho, 2001)
 A Prótese da Anca melhora previsivelmente a função e reduz a dor em todos os utentes com doença incapacitante. A satisfação do utente a respeito do alívio da dor e da funcionalidade têm sido avaliado em 98% até dois anos após a Prótese da Anca. (Carvalho, 2001)
Complicações
Ø  Descolamento asséptico – segundo Nunes e Leão (2001) é a complicação mais frequente. Ocorre predominantemente em próteses cimentadas. Traduz-se por perda de aderência entre a prótese e a superfície óssea.
Ø  Luxação (a mais comum nos primeiros dias segundo Carvalho, 2001) – verifica-se a existência de um risco muito grande após a cirurgia que exista luxação da prótese, pois os tecidos ainda não dão a estabilidade necessária a esta "nova articulação". Por este motivo, é necessário o Enfermeiro de Reabilitação intervir logo no primeiro dia de tratamento, instruindo o utente sobre quais os movimentos, actividades e posições que apresentam uma tendência para luxar a anca.
Ø  Infecção - a infecção pode ser uma complicação muito séria após a artroplastia da anca. A probabilidade de existir uma infecção após a realização desta cirurgia é raro (cerca de 1%). Algumas infecções são detectadas ainda antes de o utente ter alta, mas outras apenas se evidenciam tardiamente, mesmo alguns meses após ter sido realizada a artroplastia da anca. Para Nunes e Leão (2001) é uma complicação grave que pode comprometer o prognóstico funcional e em alguns casos o prognóstico vital
Ø  Lesões Neurológicas  periféricas  - as que mais se verificam situam-se a nível do nervo femoral e ciático; (Carvalho, 2001)
Ø  Lesões Vasculares – a trombose venosa profunda e a tromboembolia pulmonar são as complicações potencialmente mais graves. A conduta deve ser preventiva utilizando fármacos anticoagulantes (heparinas de baixo peso molecular), contenção e elevação do membro operado sendo também de grande importância o levante e mobilização precoce (Nunes e Leão, 2001)
Ø  Ossificações peri-articulares – verifica-se habitualmente um desenvolvimento rápido ao longo das primeiras semanas de pós-operatório.
Ø  Hematoma
Ø  Fracturas peri-protésicas – ocorrem mais frequentemente no contexto de próteses não cimentadas. Segundo Nunes e Leão (2001) as femorais são mais frequentes do que as acetabulares.













3. PLANO DE INTERVENÇÃO DE ENFERMAGEM
Após enquadramento teórica da patologia da pessoa, importa reflectir sobre a intervenção do Enfermeiro de Reabilitação nesta situação específica.
Para tal, é necessário ter um modelo teórico que oriente a prática e tomada de decisão em enfermagem, enquanto disciplina do conhecimento em que há concepção de cuidados autónomos.
O modelo teórico que orienta a prática no Centro Hospitalar do Médio Tejo, é o de Nancy Roper.
A utilização da CIPE é uma realidade recente e sendo esta uma linguagem classificada que não é incompatível com nenhum modelo teórico, foi reestruturada a avaliação inicial do doente de acordo com esta taxonomia. Assim, são tidos em consideração os grandes domínios da CIPE (Função, Pessoa, Razão para a acção e Acção) nesta avaliação. Decorrentes da mesma e de intervenções diagnosticas, são identificados os focos de atenção da prática de enfermagem. Com base na forma como esse foco se manifesta na pessoa, são construídos diagnósticos de enfermagem, concomitantemente são planeadas e implementadas intervenções de enfermagem. Sendo que, uma intervenção de enfermagem é uma acção realizada em resposta ao diagnóstico com o objectivo de obter ganhos em saúde sensíveis aos cuidados de enfermagem (CIPE/ICNP, versão ß2, 2003)

3.1 PROCEDIMENTOS PARA A IDENTIFICAÇÃO DA PESSOA
Antes de qualquer intervenção o enfermeiro tem de estabelecer relação com o utente e sua família de forma a perceber a situação actual, o seu projecto de vida e de que forma a interrupção abrupta, ou não, no seu continuo de saúde/doença está a afectar a dinâmica familiar e pessoal. Para obter estes dados é necessário disponibilidade para ouvir o utente e família e conhecimentos para orientar esta colheita de dados inicial que sendo inicial não é estática mais sim dinâmica e pode ser completada ao longo de todo o internamento da pessoa.
A avaliação inicial do utente (preferimos chamar-lhe assim) foi realizada com recurso a uma entrevista inicial ao utente e sua família à chegada ao serviço e à observação física e global do utente.
Para a colheita de dados utilizámos o instrumento de Avaliação Inicial realizado para o CHMT. Este documento foi desenvolvido pelo Grupo Dinamizador da CIPE na Instituição e já está a ser utilizado nos serviços piloto (Cirurgias) em suporte informático (aplicativo SAPE). Está em fase de aprovação pelo Conselho de Administração para posteriormente ser adoptado por todos os serviços da Instituição. Os dados que aparecem a itálico não fazem parte do documento acima referido e foram incluídos por nós neste caso em particular e para dar resposta alguns critérios académicos.
3.1.1 Identificação do utente
Informações Gerais
Nome: A.F.
Nome preferido: A.
Género: Masculino
Tipo de personalidade: Tipo B
Friedman, M e Rosenman em 1959 introduziram na literatura médica o conceito de tipo de personalidade. De acordo com estes autores há dois tipos de personalidade: A e B. Os tipo A são mais stressados e competitivos e como tal mais propensos a doenças cardíacas. Os tipo B são menos cardiorreactivos. Vêm sempre o lado positivo da vida, não vivem em permanente tensão e estão sempre satisfeitos com a vida. São sorridentes e bem dispostos e estão sempre de bom humor. Sorriem com facilidade. “As pessoas que sabem se divertir e rir são, geralmente, mais saudáveis e mais capazes de sair de situações de estresse com mais facilidade. Essas pessoas têm uma redução nos hormônios envolvidos na fisiologia do estresse, reduzindo as alterações do estresse na homeostase corporal, sendo assim mais fortes imunologicamente e menos propensos a patologias cardíacas.”
A personalidade do tipo B tem como características predominantes: não lutar contra o relógio; não competir compulsivamente; estabelecer objectivos definidos para sua realização profissional; não ser muito crítico consigo nem com os outros e relaxar sem sentimento de culpa.http://www.trt6.gov.br/informativo/1999/jornalmarco/estresse.htm em 12/01/07
Idade: 79 anos    
Data de Nascimento: 25/02/1927
Estado Civil: Casado
Raça: Caucasiano
Morada: Beselga de Cima – Assentis – Torres Novas
Profissão: Reformado (anteriormente funcionário da CP – manutenção e limpeza de linhas)
Habilitações Literárias: Não frequentou a escola. Reconhece o dinheiro e o seu nome.
Proveniência: Domicilio (enviado pelo médico de família, que referenciou o Sr para o hospital a 02/03/05)
Pessoa a contactar: Esposa
OBSERVAÇÕES: A esposa também não sabe ler nem escrever.
Situação familiar e sócio- económica
Agregado familiar: Vive com a esposa
Ciclo vital da família: Terceira fase
Segundo Relvas a família encontra-se na fase de 4ª idade, mais de 65 anos, numa situação de reforma, em que para a autora esta é a terceira fase do ciclo vital. Nesta altura, “está a chegar a vez de serem protegidos pelos filhos, com a ameaça da dependência tardia que isso envolve (…) em muitos casos, instala-se um profundo sentimento de abandono por perdas afectivas e lutos concomitantes, aumentando o sentimento de solidão.” (RELVAS, 2000, p. 227)
Ainda segundo a autora a fase final (4ª fase) culmina com a viuvez e continuação de lutos e aumento da dependência.
Número de filhos: seis
Pessoas dependentes: não tem
Repercussões da situação: sem repercussões aparentes
Observações: Dos seis filhos, quatro vivem perto dos pais e um é vizinho. Boa relação com todos eles.
Condições habitacionais:
O casal vive em casa própria, de piso térreo, com saneamento básico, electricidade e água canalizada. Divisões: Cozinha, uma casa de banho e dois quartos. A casa é aquecida por lareira com salamandra e aquecedor eléctrico para os pés.
Barreiras arquitectónicas: Casa pequena mas com divisões de tamanho razoável, aliás já tem em casa uma cadeira de rodas que circula em todas as divisões. A única barreira é dois degraus de acesso à casa de banho. Já colocaram um corrimão bilateral.
Coabitação com animais: Tem pequena criação de animais (galinhas e coelhos)
Prestador de cuidados informal: esposa
Observações: A esposa espera ter o apoio dos filhos com quem mantêm uma boa relação. Para além disso estão ambos inscritos no Centro de Dia local, que lhes disponibiliza actividades lúdicas e sócio-culturais todas as 4ª feiras. Não são elementos assíduos porque nem sempre conseguem transporte. 
Situação actual
Motivo de internamento: Coxartrose à esquerda
Data de internamento: 08/01/07
Serviço: Ortopedia
Medico responsável: Dr. B.K
Programa: SIGIC (Programa de recuperação de listas de espera)
Sintomas: Refere que já há cerca de 25 anos que tinha dores ao nível das ancas por ter trabalhado sempre com tarefas pesadas. Segundo a opinião do utente a sua situação foi-se agravando ao longo do tempo devido ao trabalho que contribuiu para o desgaste das articulações.
Alivio e factores relacionados: Refere pouco alivio e considera que após episódio de AVC há cerca de um ano ficou pior.
Incapacidades: Dificuldade na marcha. Usa uma canadiana para auxilio.
Antecedentes pessoais relevantes:
O Sr A. Refere ter sido submetido a herniorrafia inguinal direita há cerca de 20 anos. HTA controlada. Dislipidémia (placa de ateroma na carótida interna direita). Acidente Vascular Cerebral a 08/06/05 com internamento na Unidade de Torres Novas. Não há mais dados sobre este AVC no processo do utente nem ele sabe clarificar. Ficou sem sequelas aparentes.
Antecedentes familiares relevantes: Nada a registar.
Medicação do domicilio
Nome
Forma de apresentação
Dosagem
Data de prescrição
Existente no Serviço:
Hytacard
Comprimido

?
Não
Cardiol
Comprimido

?
Não
Plavix
Comprimido

?
Não
A.A.S.
Comprimido
150
?
Não

Observações: O utente usa a sua medicação do domicílio e é ele que gere. Já não  toma o A.A.S. há alguns dias por prescrição médica para a intervenção cirúrgica.
Sabe que não toma nada a 08/01/07 e depois só retoma quando prescrito.  

Domínios de atenção da enfermagem  (segundo a CIPE): (observação realizada a 08/01/06)
Respiração:
Frequência Respiratória: 16 ciclos. Sem dispneia.
Características: predominantente abdominal
Tosse: sem
Expectoração: sem
Hábitos tabágicos: sem

Circulação:   
Frequência cardíaca: 57 b/min
Características do pulso: cheio, rítmico e regular.
Pressão arterial: Sistólica: 141 mmHg  e Diastólica: 66 mmHg
Características da Pele: Quente e rosada. Hidratada e com turgor normal
Rede capilar Visível: Não
Varizes: Não
Temperatura Corporal:
Timpânica: 36,6 º C
Nutrição:
Peso: 75 Kg
Altura: 161 cm
Hábitos alimentares:
- nº refeições/dia: 5
- ingestão de líquidos: pouco (nem 1 litro por dia)
- ingestão alcóol : ingere 1 a 2 copos de vinho à refeição do almoço
- ingestão de cafeína: não bebe
- alimentos de que não gosta: carne de porco (fica mal disposto quando come)
- alimentos preferidos: peixe grelhado e cozido à portuguesa.
 Atitude perante a alimentação: refere gostar de comer. Confessa que por vezes comete excessos quer em quantidade como em qualidade de alimentos, mas diz ter conhecimento sobre alimentação saudável.
Digestão:
Boca:
Mucosas: integras
Língua: hidratada e sem fissuras
Dentes: Sem dentes
Prótese: movível. Total: superior e inferior
Dificuldades: sem dificuldades na salivação, mastigação ou deglutição. Não costuma ter vómitos.
Auto-cuidado comer e beber:
Independente
Volume de líquidos/Eliminação
Edemas: sem
Ascite: sem
Eliminação vesical:
- hábitos: várias vezes ao dia. Uma vez apenas á noite e nem sempre.
- características: cor clara, cheiro característico, sem sedimento e sem presença macroscópica de sangue.
- alterações: sem
 Eliminação intestinal:
- hábitos: uma vez dia
- características: fezes moldadas, acastanhadas, cheiro característico, sem presença aparente de sangue. Não recorre a medidas facilitadoras.
- data da última dejecção: 08/01/07
Auto-cuidado: ir ao sanitário
Limitações: sem incapacidade para usar ou para se limpar. Não usa ajudas técnicas.
Tegumentos
Pele: Integra
Lesões: sem
Mucosas: integras
Observações: hidratado, apresenta apenas uma linha de sutura muito ténue no flanco à direita
Auto-cuidado: Higiene
Banho total diariamente, sem ajuda.
Lavagem de cabeça uma vez por semana.
Higiene oral uma vez por dia (de manhã)
Barba: dias impares
Limitações: alguma dificuldade para lavar os pés.
Actividade motora/ reparação
Hábitos de exercício físico: sem
Limitações à actividade: dificuldade na marcha por dor e limitação decorrente de artrose da anca.
Uso de meios auxiliares de deambulação: canadiana
Hábitos de sono: 5 a 6 horas por noite. Não costuma dormir a sesta.
Dificuldade em adormecer: por vezes, mas raramente.
Alterações do sono: sem
Observações: pessoa até há pouco tempo muito activa, mas que se viu obrigado a reduzir o trabalho quer na pequena produção hortícola como na criação de animais devido á dificuldade na mobilização e dor. Sente-se mais imóvel devido à dificuldade na marcha que é possível de forma menos dolorosa com o apoio de uma canadiana.
Auto-cuidado: Actividade física
 Incapacidade para: sem incapacidades. Apenas alguma dificuldade na marcha ultrapassada parcialmente pelo uso de uma canadiana.
Auto-cuidado: actividade recreativa
Hábitos: Quase todas as 4ªs feiras convive com amigos no centro de dia local. Confraternizam, organizam passeios e outras actividades lúdicas.
Sensação
Consciente, lúcido e orientado á entrada no serviço.
Pupilas isocóricas.
Sem alterações da visão ou da audição.
Sem náuseas, prurido ou vertigens.
Dor
Intensidade:
Utilização da escala visual analógica
- sem dor em repouso
- apresenta dor 3 a 4 à mobilização
- apresenta dor 7 a 8 na marcha
- Localização: região trocantérica esquerda
- Características da dor: tipo moinha (sic)
Tipo de dor: crónica
Irradiação: sem
Factores associados: marcha

Reprodução
Disfunção sexual: não refere
Observações: refere que com a dificuldade na marcha e dor a actividade sexual também se complicou. Além disso diz que a idade já não nos deixa fazer tudo o que se quer (sic)
Razão para a acção
Autoconhecimento
Sem alterações do processo de pensamento. Conhece bem a situação actual. Não demonstra grande preocupação. Sem alterações aparentes da memória. Apresenta íntegra a memória a longo (evocação), médio e curto (fixação) prazo. Recorda-se do seu percurso de vida. Não apresenta alterações quantitativas (amnésias) nem alterações qualitativas (confabulação, falsos reconhecimentos).
Orientado no tempo e no espaço, alô e auto-psiquicamente. O analfabetismo pode vir a constituir-se uma barreira à aprendizagem. O tipo de personalidade (tipo B) pode ser facilitador.
Sem períodos de confusão referidos pela família.
Sem ansiedade perceptível. A família também se apresenta calma. A esposa aceita bem o papel de prestadora de cuidados informais e encontra-se em bom estado físico (aparente). A filha que habita próximo também se mostra muito disponível e aparenta um bom relacionamento com os pais.
Crenças: católico não praticante
Autoconceito
- auto-estima: aparentemente sem alterações
- imagem corporal: aparentemente sem alterações
Boa aceitação do processo de envelhecimento.
Observações: Ao longo da entrevista o doente respondeu às questões colocadas.
Durante a entrevista manteve o olhar dirigido para nos, prestando atenção às  questões.
Acção realizada pelo próprio
Comportamento de procura de saúde
- médico de família: Dra F. L.
- enfermeiro de família: não sabe porque a sua enfermeira se reformou à algum tempo e agora é substituída cada semana por uma (sic)
- frequência de utilização: mensalmente para prescrição de medicamentos e quando precisa (sic)
- adesão ao regime terapêutico: sim (aparentemente)
- gestão do regime terapêutico: sim com ajuda da esposa e filha.
Estilo de vida
- sedentária
- tem pequena horta onde cultiva alguns vegetais e cria alguns animais.
- uso de substâncias: ingestão moderada de bebidas alcoólicas
- considera ter um estilo de vida saudável? Sim
Acção Interdependente
Interacção Social
- sem problemas sociais aparentes. Vive em aldeia em que as pessoas se apoiam muito e quase todos são familiares uns dos outros. A namorada de um dos netos é enfermeira.
- Interacção de papeis:
- papel do prestador de cuidados: papel aparentemente aceite pela esposa, D. P. que apesar da idade tem muita vitalidade e vontade de ajudar o marido. O apoio da filha que mora ao lado parece ser uma constante na vida do casal.
Comunicação
- muito comunicativo e optimista. Usa essencialmente a comunicação verbal.
- Ouve bem e vê bem.
Grupo
Processo familiar
- aparentemente satisfatório
3.1.2      Exame objectivo no pré-operatório

Este exame objectivo do pré-operatório coloca ênfase nos aspectos relacionados com o sistema musculo-esquelético uma vez que é realizado no âmbito da especialização em enfermagem de reabilitação e que já foi realizada uma anamnese inicial do cliente que não revela aspectos de particular relevância para os cuidados de enfermagem geral.
Exame articular

Comprimento

(E.I.A.S – M.I)
Comprimento do Membro inferior

Esquerdo
84 cm

Direito
84 cm

Legenda:E.I.A.S. -  Espinha Ilíaca ântero-superior; M.I. - Maleolo Interno
Anca
F.A.J.E.
F.A.J.F.
Extensão
Direita
55º
80º
Esquerda
40º
70º

Legenda: F.A.J.E. – Flexão da anca com o joelho em extensão;
F.A.J.F. - Flexão da anca com o joelho em flexão
Observações:  Como facilmente se depreende existe uma diminuição da amplitude articular no membro interior esquerdo e no direito, na flexão quer com o joelho em flexão como com o joelho em extensão, dentro de valores normais.

Anca
Abdução
Adução
Direita
35º
25º
Esquerda
10º
20º

Observação: A abdução encontra-se diminuída no membro inferior esquerdo.

Joelho
Flexão
Extensão
Direito
120º
Esquerdo
120º


Flexão Plantar
Flexão dorsal
Eversão
Inversão
Direito
30º
20º
20º
35º
Esquerdo
30º
20º
20º
35º

Teste Muscular Funcional
Anca
F.A.
E.A
Abdução
Adução
RotInt.
Rot. Ext.
Direito
N
N
N
N
N
N
Esquerdo
N
Bom
Bom
Bom
R
R
Legenda: F.A. – Flexão da anca; E.A. – Extensão da anca; Rot. Int. – Rotação Interna; Rot. Ext. – Rotação Externa; N: Normal; R: Reduzida

Observação:
Constata-se a diminuição da força muscular ao nível dos flexores, extensores e abdutores da anca do membro inferior esquerdo e não foram testados os outros grupos musculares.

Joelho
Flexão
Extensão
Direito
Normal
Normal
Esquerdo
Normal
Normal


Tornozelo
Flexão Plantar
Flexão dorsal
Eversão
Inversão
Direito
Normal
Normal
Normal
Normal
Esquerdo
Normal
Normal
Normal
Normal

Exame da Marcha
O cliente deambula com o auxílio de uma canadiana. Executa uma marcha de 2 tempos e 1 apoio. Quando marcha apresenta ligeira flexão do tronco, extensão do membro inferior esquerdo e realiza apoio total com o membro inferior esquerdo.
Exame Postural
Sentado
Observação anterior: Sem alterações
Observação de Perfil: Sem alterações
Observação Posterior: Sem alterações
Posição Ortostática
O utente assume a posição ortostática sem apoio ou auxiliares de marcha, embora com alguma dificuldade.
Exame Funcional
O utente refere ser independente com o uso de auxiliar de marcha (canadiana) nas suas actividades de vida diária.
Exames complementares de diagnóstico efectuados
Realizadas radiografias da anca e tórax, electrocardiograma e hemograma e bioquímica (sangue). Sem alterações.


3.2 PLANO DE INTERVENÇÃO DE ENFERMAGEM DE REABILITAÇÃO NO PRE-OPERATÓRIO

Após realizada a anamnese do utente e família importa planear e executar intervenções autónomas de enfermagem para focos de atenção de enfermagem.
Este planeamento vai ser executado de acordo com a linguagem classificada CIPE/ICNP® na sua versão Beta 2. A CIPE (Classificação Internacional para a Prática de Enfermagem) é uma linguagem classificada, propriedade do ICN (Conselho Internacional de Enfermeiros) que tem sido construída com base em taxonomias anteriores, pretendendo ser uma taxonomia unificadora. Com as três classificações (fenómenos, acções e resultados) da versão Beta 2 podem construir-se diagnósticos, intervenções e resultados de enfermagem.
Porque a utilização desta versão e não da versão 1 que é a mais actual? Porque é aquela com que temos experiência de trabalho e que é utilizada maioritariamente nos serviços que já utilizam a CIPE seja em suporte de papel ou em informático (SAPE ou outros aplicativos informáticos)
Para representarmos as nossas práticas com esta linguagem devemos começar por identificar os focos de atenção da nossa prática. O foco é um dos oito eixos da classificação dos fenómenos. Define-se como: “área de atenção, tal como foi descrito pelos mandatos sociais e pela matriz profissional e conceptual da prática profissional de enfermagem.” (CIPE/ ICNP® versão Beta 2, 2003, p.XV)
Segundo Nunes e Leão (2001) todos os utentes que vão ser submetidos a uma artroplastia da anca devem receber cuidados de “educação pré-operatória” (p.134) com o objectivo de informar o utente sobre a cirurgia e seus objectivos; alertar o utente sobre sinais e sintomas de complicações possiveis; explicar ao utente os beneficios da reeducação precoce e promover a preparação funcional dos membros e tronco para a reabilitação pós-operatória.
Com base nestes principios consideramos como focos de atenção da nossa prática no pré-operatorio. que são também decorrentes da avaliação inicial e de intervenções diagnosticas ao utente em causa:
- Dor (Intervenções diagnosticas da dor: Observação dos sinais e sintomas apresentados na definição da CIPE, nomeadamente experiência subjectiva de sofrimento, expressão facial e alteração do tónus muscular e monitorização com escala de dor).
- Conhecimento (Intervenções diagnosticas do conhecimento: identificar os conhecimentos que o doente tem sobre o procedimento cirúrgico a que vai ser submetido, através de questões directas, observar comportamento do doente para certificação que não há alterações de memória ou outras que possam interferir na aprendizagem. Identificar se o nível de alfabetização presente interfere na capacidade de compreensão e aprendizagem.)
- Mobilidade (Intervenções diagnosticas: Decorrem da avaliação das amplitudes de movimento articular, força muscular, tipo de marcha e postura.)
- Ansiedade (Intervenções diagnosticas: por observação de sinais e sintomas de ansiedade segundo a definição da CIPE, nomeadamente sentimentos de ameaça, aumento da tensão muscular e pulso, pele pálida, aumento da transpiração, pupilas dilatadas e voz trémula. Não foi aplicada nenhuma escala de ansiedade, apenas observação directa do utente e família)
Para os focos mencionados, construímos os diagnósticos que se seguem tendo em consideração as regras de construção dos diagnósticos de enfermagem segundo a CIPE e as intervenções diagnosticas (Regra: é obrigatória a utilização de um conceito do eixo do foco, a utilização de um conceito do eixo da probabilidade ou do juízo, o recurso a conceitos dos outros eixos é facultativo (apenas para expandir o diagnóstico) e só se pode utilizar um termo de cada eixo. (ICNP/CIPE®  Versão Beta 2, 2003)
Data: 08/01/07
O utente deu entrada no serviço cerca das 8 horas da manhã e vai para o Bloco Operatório às 14 horas. Está em jejum.
Diagnósticos:
- Dor (mecânica) crónica no membro inferior esquerdo (sobretudo ao levante e mobilização) em grau moderado (4 na mobilização)
- Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: técnica de avaliação da dor
- Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: procedimentos no pré-operatório
- Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: técnicas respiratórias no pós-operatório
- Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: marcha e posicionamento no pós-operatório
- Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: estilo de vida no pós-operatório  
- Ansiedade da família (esposa) em grau reduzido (pressupondo que neste grau a ansiedade é ligeira)
- Mobilidade (articular) comprometida em grau moderado
Perante estes diagnósticos foi planeado e instituído um programa no pré-operatorio com o objectivo de prevenir algumas das complicações mais frequentes do pós-operatório, a saber: descolamento asséptico, infecção, luxação, Trombose Venosa Profunda (TVP) e fracturas (Nunes e Leão, 2001)
A CIPE e sobretudo a sua utilização em aplicativos informáticos preconiza a apresentação do plano de intervenção na vertical contrariamente aos planos na horizontal com que estamos familiarizados. Tal apresentação tem a vantagem de não permitir a repetição de intervenções e permitir uma visão global (holistica do utente) e não compartimentada, sendo que na realidade todas as intervenções contribuem para a melhoria de todos os diagnósticos ou pelo menos esse é o objectivo. 
Assim sendo no quadro que se segue apresentamos o plano de cuidados do utente e família no pré-operatorio com as respectivas intervenções e procedimentos ou justificações associados e autores que sustentam a tomada de decisão, bem como a avaliação.
Apesar do curto espaço de tempo que mediou entre a chegada do utente ao serviço (decorrente da tentativa de diminuir os tempos de internamento que é actualmente um objectivo global ao nível da saúde em Portugal) e a sua transferência para o Bloco Operatório, todas as intervenções planeadas foram implementadas.

Diagnósticos de Enfermagem no Pré-Operatório
Data de Inicio
Diagnóstico de Enfermagem
Data de Fim
Observações
08/01/07
Dor (mecânica) crónica no membro inferior esquerdo (sobretudo ao levante e mobilização) em grau moderado


08/01/07
Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: técnica de avaliação da dor


08/01/07
Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre :procedimentos no pré-operatório


08/01/07
Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: técnicas respiratórias no pós-operatório


08/01/07
Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: marcha e posicionamento no pós-operatório


08/01/07
Conhecimento não demonstrado pelo utente sobre: estilo de vida no pós-operatório  


08/01/07
Mobilidade (articular) comprometida em grau moderado


08/01/07
Ansiedade da família (esposa) em grau reduzido



ACTIVIDADES PLANEADAS, EXECUTADAS E RESULTADOS OBTIDOS
DATA DE INICIO
INTERVENÇÕES DE ENFERMAGEM

JUSTIFICAÇÃO OU PROCEDIMENTO ASSOCIADOO

DATA DE FIM

OBSERVAÇÕES
08/01/07
Monitorizar a dor com protocolo da dor 
(intervenção diagnostica)
O CHMT e a Unidade de Tomar têm protocolo de avaliação da dor de 8 em 8 horas no pré-operatorio ou com outro horário em função do utente.

Ver procedimento da avaliação da dor
08/01/07
Avaliar as características da dor de 8 em 8 horas
(intervenção diagnostica)


Dor mecânica que aumenta com o movimento e que provavelmente só será resolvida após cirurgia pelo que não se planearam intervenções terapêuticas autónomas
08/01/07
Informar o utente sobre procedimentos do pré-operatorio





Explicados todos os procedimentos: banho no pré-operatorio, hora de intervenção, necessidade de retirar próteses, jejum acompanhamento e esclarecidas dúvidas
08/01/07
Utente calmo quando foi para o Bloco operatório.
Não houve incidentes no pré-operatorio
08/01/07
Instruir utente sobre utilização da escala analógica da dor
Explicado como medir a dor com a escala

Compreendeu (apesar de não saber ler, nem escrever) os números e a dor associada a cada um deles
08/01/07
Treinar utente na utilização da escala da dor


Treinou-se com o utente a utilização da escala. Parece-nos estar apto a utilizá-la no pós-operatório.

08/01/07
Instruir o utente sobre: como se levantar; como rodar no leito; como se posicionar 

Instruir técnica de entrada e saída da cama usando medidas de prevenção da luxação da prótese

Intruir técnicas de auto-mobilização osteoarticular

(ver procedimentos)
                            
Explicado que segundo protocolo do serviço só poderá levantar-se às 72 horas. Explicado como se levantar segundo a técnica cirúrgica que se prevê seja usada (via directa). Explicar como vai ficar no leito (decúbito dorsal)

Realizado de forma muito breve a 08/01/07 e a continuar no pós-operatorio
08/01/07
Treinar com o utente a forma de levante e posicionamento no pós-operatório


Ensinando a fazer exercícios de pernas, para manter a mobilidade da anca e fortalecer os músculos da anca e joelho (Guia da Depuy)
08/01/07
Instruir o utente sobre técnicas respiratórias
Inclui a dissociação de tempos respiratórios e técnica de tosse

O utente percebeu como se dissociam os tempos respiratórios e qual a utilidade de o fazer, usando a explicação simples do “cheirar a flor e soprar a vela”. Consciencializou-se da sua respiração. Ensinado a tossir eficazmente
08/01/07
Treinar com o utente técnicas respiratórias
Treinou-se com o utente

Realizado de forma muito rápida dado a escassez de tempo, mas o utente percebeu como fazer e parece-nos que irá colaborar. A reforçar no pós-operatório.
08/01/07
Instruir o utente sobre técnica da marcha no pós-operatório
Realizado a 08/01/07 e a continuar no Pós-operatorio

Explicado. O doente percebeu.

08/01/07
Treinar com o utente a técnica da marcha no pós-operatório
Como o utente já marcha com canadiana não parece muito complicado a marcha no pós-operatório. A reavaliar


08/01/07
Instruir o utente sobre estilo de vida no pós-operatório
Ensinado que não deve engordar, como se sentar em sanitas, como tomar banho, que exercício fazer e quando (após seis meses), que não deve cruzar as pernas, etc.

Parece ter percebido. Reforçar no pós-operatorio.
Ensinar também à família antes da alta e entregar folheto de reforço de ensino à filha (ver anexo I)
08/01/07
Avaliar grau de mobilidade comprometida
Apenas se avaliaram as amplitudes de movimento, o compromisso existente e o que significavam para aquela pessoa e família

Consideramos esta intervenção essencialmente diagnostica, para além de que o utente está relativamente bem adaptado à situação, mas desejoso de ver a sua limitação diminuída pela intervenção cirúrgica. A nossa intervenção foi essencialmente de reforço positivo e de esclarecimento de dúvidas.
08/01/07
Explicar procedimentos à família (esposa)
Foi explicado à esposa: o que ia acontecer ao marido, horas das visitas, guia de acolhimento.


08/01/07
Escutar a família (esposa)


Após explicações e esclarecimento de dúvidas quanto a alguns horários a senhora ficou muito mais calma.
Perante o pouco tempo que tínhamos estas foram as intervenções autónomas que foram desenvolvidas e que pensamos irão contribuir para um pós-operatório bem sucedido. Verificámos ainda que o utente tomou o duche pré-operatório que é protocolo do serviço, que se manteve em jejum, que retirou jóias e adornos bem como prótese dentária e que vestiu roupa adequada para o Bloco. Em termos de intervenções interdependentes, organizámos o dossier do utente, verificámos que todos os exames estavam presentes e acompanhamos o utente ao Bloco Operatório à hora pré-estabelecida e após contacto telefónico do serviço.

3.3 “ECOS” DO PERIODO INTRA OPERATÓRIO

Da comunicação que tivemos com o colega que assistiu à intervenção cirúrgica importa referir que o utente foi submetido a uma artroplastia total da anca, pela Via cirúrgica directa. A prótese colocada foi uma não cimentada. O utente esteve calmo. A intervenção durou cerca de 3 horas. Houve perda considerável de sangue durante a Cirurgia o que contribuiu para a passagem do utente para a Unidade de Cuidados Pós-Cirúrgicos (Unidade de maior vigilância) onde permaneceu até ao dia 09/01/07.
Voltou para o quarto na enfermaria a 09/01/07, cerca das 10 horas. O que se apresenta seguidamente são os diagnósticos de enfermagem e intervenções desenvolvidas nos dias seguintes com ênfase especial no programa de reabilitação.