Reflexão de Estágio de Enfermagem

REFLEXÃO DA PRIMEIRA E SEGUNDA SEMANA DE ESTÁGIO
NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO CROC
  
A DESCOBERTA ...

Logo no primeiro dia de estágio, a visita detalhada ao serviço pela Enf.ª XXXX, permitiu-me conhecer as instalações e as enfermarias do serviço. Fiquei desta forma a conhecer as características da estrutura física, da orgânica e do funcionamento da unidade.

Com esta visita não foi difícil constatar que as instalações oferecidas pelo serviço têm muito boas condições. O espaço é amplo, os dois grandes corredores que dividem o serviço permitem uma boa circulação de todos os profissionais no momento da prestação de cuidados e; o acesso às salas de trabalho e de pensos, mais facilitada. Penso no entanto que seria uma óptima iniciativa se fossem afixados nas paredes do serviço, alguns pósters contendo informações, por exemplo sobre a reconstrução ou o uso de próteses mamárias. Pois, notei que as doentes mastectomizadas não eram devidamente informadas acerca das diferentes alternativas que existem para a “substituição” das suas mamas que lhes foram retiradas. Este poster poderia assim trazer uma mensagem de esperança para estas pessoas que, muitas vezes, encaram a perda de um seio como sendo a sua “maior desgraça”…Deixo aqui esta sugestão...

O serviço possui 41 camas, distribuídas por 9 enfermarias. Temos assim 4 enfermarias com 6 camas, 3 com 4 camas, uma com 2 camas e finalmente, outra com 3. Todos os quartos têm janelas que permitem uma boa luminosidade natural, o que torna o ambiente muito mais acolhedor e reconfortante para as doentes.

Em termos de material e equipamentos, devo referir que nada falta no serviço, salvo as toalhas de banho…Pois a escassez destas toalhas leva a que a maior parte das vezes, os doentes tenham de se servir de lençóis…


Esta semana tive a oportunidade de observar e de aprender de que forma era feita a organização dos materiais. Assim, participo no acondicionamento e reposição dos mesmos e esforço-me para utilizá-los de forma racional.

Queria referir que fiquei muito surpreendida ao verificar que existe uma grande preocupação e cuidado, aquando da separação dos resíduos hospitalares. É certamente uma grande demonstração de consciencialização ecológica!

Já contactei com diversos tipos de materiais para mim desconhecidos até então e, posso afirmar que aprendi muito rapidamente como utilizá-los pois, são todos de grande utilidade, permitindo ainda rapidez na sua aplicação.

A equipa de Enfermagem é constituída por elementos jovens, alegres e bastante dinâmicos. Todos eles se demonstraram muito receptivos à nossa chegada, tentando sempre apoiar-nos quando revelamos ter alguma dúvida / dificuldade na realização de alguma actividade. Penso poder afirmar que é a primeira vez em que não me sinto como “alguém caído de pára-quedas em pleno território inimigo”! Foram todos extremamente acolhedores, abertos e tolerantes à nossa presença.

Observei que neste serviço, contrariamente ao que acontecia nos outros serviços por onde já passei, o método adoptado por toda a equipa é individualizado e personalizado. As doentes acabam por desenvolver uma profunda relação com o “seu Enfermeiro” visto que existe ainda uma grande preocupação por parte da Enfermeira D. em manter a mesma distribuição das enfermarias aos Enfermeiros. É portanto fácil perceber que a vertente humana (que assenta no holismo) está sempre presente nas acções de Enfermagem e que a Pessoa é o centro de todos os nossos cuidados.

Praticamente todos os nossos doentes foram submetidos a mastectomias, a cirurgias do sistema digestivo ou a cirurgias nos tecidos moles. Mas devo acrescentar que se trata, na grande maioria, de mulheres relativamente jovens (dos 30 aos 60) que sofreram mastectomias…
Tudo isto torna-se muito assustador! Nunca pensei encontrar tantos doentes com cancros e alguns já com o prognóstico de morte para breve…
Agora entendo que o cancro é um problema de saúde que nos concerne a todos! Antes de ser Enfermeira, também sou Mulher e sou por isso vulnerável a, um dia, vir a sofrer do mesmo mal!...

Os nossos doentes são pessoas que já sofreram muito…A dor de ter um cancro é talvez maior do que qualquer outra dor pois, para estas pessoas, o significado de cancro equivale morte e, a cirurgia representa apenas um a esperança de prolongamento das suas vidas por apenas mais alguns anos ou então meses…

Penso poder afirmar que o momento que me pediu mais forças e coragem neste serviço até hoje, foi ter ouvido o “meu” doente perguntar-me: “Enfermeira Helena, acha mesmo que vale a pena sofrer tanto para mais uns meses de vida? Eu já não me reconheço…Este que está aqui deitado hoje nesta cama, não sou eu…O  meu “eu” morreu na mesa de operações…”.Ele estava então a agarrar a minha mão com muita força, os seus olhos brilhavam e eu nada disse naquele momento…Escutei-o apenas…Deixei-o falar-me das suas tristezas, de erros que cometeu na sua vida, de assuntos pendentes que o preocupava…Ele falou-me do seu “eu”, o “eu” que ele pensava que nunca mais poderia vir a ser um dia. Foi neste momento que eu decidi intervir e pôr em prática tudo quanto eu sei sobre a relação de ajuda. Foi a primeira vez neste estágio que consegui penetrar tão profundamente na essência de alguém. Foi muito importante para mim! Aprendi muito com esta experiência!

Constatei que todos os doentes apreciam os Enfermeiros e os restantes elementos da equipa multidisciplinar. Sinto também que todos eles reconhecem o nosso trabalho. É incrível a forma como agradecem um simples copo de água ou um banal “Bom dia, como se sente?”. São realmente, pessoas excepcionais!

Fiquei muito sensibilizada com o caso de uma senhora casada e mãe de uma menina de 9 anos. Ela está “condenada à morte”, a sua esperança de vida não atinge os 4 meses. É muito pouco para alguém que repete tantas vezes que não quer morrer tão cedo porque quer acompanhar o crescimento da filha. Ela desconhece o prognóstico apesar de toda a sua família já o saber…Ela mantém-se esperançosa e tem muito desejo de vencer esta luta contra o cancro…Sempre pensei que o doente tinha o direito à verdade, em saber o que lhe espera mas, admito que agora penso que talvez foi melhor assim. Talvez ela consiga viver com muito mais intensidade estes meses do que se soubesse da verdade…

Já realizei turnos da manhã, tarde e noite mas, devo admitir que o meu “predilecto” é sem dúvidas o turno da manhã porque temos muito mais oportunidades de aprendizagem. Já conheço as “rotinas” dos diferentes turnos e já realizei diversas actividades novas para mim, como por exemplo a execução de pensos de mastectomias.

Tive a oportunidade de assistir a uma consulta de estomoterapia. Escutei muito atentamente cada ensino que foi realizado, foi muito interessante. Entendo perfeitamente a necessidade dos nossos doentes colostomizados/família,  em serem acompanhados antes e depois da alta. Pois, para ele, é uma “novidade difícil de encarar”… 

Estou a gostar imenso de tudo o que estou a encontrar no serviço. Todos demonstram depositar em mim muita confiança. Sinto-me extremamente segura aquando da realização de algumas actividades e sei que terei sempre o apoio de quem me rodeia, caso seja necessário. Consigo planear e executar as minhas actividades de forma autónoma mas admito que sinto a necessidade de aprender muito mais para crescer pessoal e profissionalmente.

As minhas dificuldades revertem-se sobretudo em relação à medicação pois, em cada serviço encontrámos sempre terapêuticas diferentes e mais específicas. Tenho pesquisado bastante acerca deste assunto mas mais, acerca das colostomias e mastectomias. Todas as minhas pesquisas encontram-se guardadas num dossier de forma a possibilitar uma consulta rápida aquando do surgimento de qualquer dúvida.

Gostava de poder contar muito mais mas, tenho receios de me tornar repetitiva em relação ao meu
Projecto. Assim, nas próximas semanas, descreverei de forma mais aprofundada quais as actividades que desenvolvi, reflectindo sobre as mesmas.



REFLEXÃO DA TERCEIRA, QUARTA E QUINTA SEMANA DE ESTÁGIO NO SERVIÇO DE CIRURGIA DO CROC

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Para começar gostaria de referir que decidi fazer a síntese das três reflexões correspondentes à terceira, quarta e quinta semana de estágio, de forma a evitar repetições nos assuntos abordados e para facilitar a leitura e compreensão da mesma, por parte do Professor. Tentei deste modo ser objectiva na descrição e reflexão destes dias que me possibilitaram diferentes momentos de aprendizagem.

Optei também por dividir o texto em diversas temáticas, devidamente identificadas de forma a evitar a omissão de informações que considero pertinentes e importantes para mim, por esquecimento ou distracção.

AS ACTIVIDADES DESENVOLVIDAS

Primeiro abordarei a vertente técnico-científica do meu trabalho desenvolvido e, de seguida, a vertente relacional. É evidente que esta separação não é possível na prática, mas optei por esta estratégia, para uma melhor organização e mais uma vez, para uma menor probabilidade de omissão das informações.

Vertente Técnico-Científica

Os Cuidados de Enfermagem

Gostava de começar este novo capítulo referindo que os cuidados prestados são individualizados e personalizados (como já tinha dito na primeira reflexão) mas que este facto não quer dizer que não haja colaboração entre os diferentes membros da equipa. Pois, existe um cuidado extremo em distribuir, sempre que possível, Enfermeiros homens com doentes homens, especialmente quando se trata de realizar acções que envolvem a exposição do corpo, mesmo que para isso, tenha que se pedir ajuda a um colega. Trata-se segundo eu, de mais uma prova de humanismo pois, os doentes sentem-se mais à vontade e menos incomodados com uma pessoa do mesmo sexo.

A problemática da palpação da mama

Ao longo destes dias, apercebi-me de que a maioria das mulheres internadas para serem submetidas à mastectomia, não descobriram o nódulo no domicílio. Pois, “o mal” (como tantas vezes lhe chamam: ao cancro!) foi diagnosticado através da mamografia, num rastreio do cancro da mama. Este facto fez-me desconfiar seriamente acerca dos conhecimentos dessas mulheres em relação ao auto-exame da mama. Foi através de pequenas perguntas, ao longo de entrevistas informais, que eu descobri, que efectivamente, a grande maioria não sabe como, quando nem porquê realizar este procedimento de forma regular no domicílio. Penso que este ensino devia constar da lista dos numerosos ensinos que se fazem no internamento…Afinal o risco de uma possível recidiva está presente!

Pensando acerca deste tema…
Esta situação só vem provar que a Enfermagem (especialmente a Enfermagem de Saúde Comunitária), ainda tem um árduo trabalho para conseguir sensibilizar as mulheres e os homens, a realizar este procedimento tão simples, mas que pode prevenir o pior…Mas pergunto: como concretizar este objectivo se os próprios Enfermeiros ainda não se consciencializaram da importância da auto-palpação da mama? Pois, questionando alguns Enfermeiros do serviço de Cirurgia, percebi que apenas 3 pessoas o faziam “por vezes”. Pretendo aprofundar esta questão junto da equipa de Enfermagem, no dia 13/11, dia correspondente à nossa acção de formação “A vivência da sexualidade da mulher mastectomizada e do homem colostomizado”. 

Os ensinos no serviço

Tive a oportunidade de assistir, em diversos momentos, à realização de ensinos que fazem parte do pré e pós-operatório e, portanto da preparação para a alta. Devo dizer que alguns Enf.ºs me surpreenderam pela negativa, ou por não fazerem os devidos ensinos aos doentes (apesar de os registar nas notas de Enfermagem) ou, por os fazerem mas de forma inadequada, utilizando uma linguagem demasiado técnica para pessoas que demonstram baixo nível de escolaridade. Pois, eu percebi pelas expressões faciais das doentes, aquando destes ensinos, que elas não sabiam o que era por exemplo, a linfa, a abdução, o edema, etc. Penso que o Enfermeiro teria depressa percebido que a linguagem não estava adequada, se tivesse realizado uma avaliação imediata/mediata do que lhes tinha transmitido.

A preparação para a alta

A preparação para a alta deve começar desde o primeiro dia do internamento para que o doente possa ter a melhor reintegração possível a nível familiar, profissional e social. Penso de facto que o verdadeiro desafio dos nossos doentes, a verdadeira prova de coragem surge no momento do regresso à sua “vida normal”…Vida esta que nunca mais será a mesma…É sabido por todos os profissionais que ocorrem, nos doentes do foro oncológico, diversas transformações físicas e psicológicas devido ao tratamento e à própria patologia.

Uma das temáticas menos abordadas pelos Enfermeiros, durante o internamento dos doentes, é relativa à sexualidade. Penso encontrar duas razões para tal facto. A primeira será talvez pelos Enfermeiros se perguntarem a eles mesmos: “Mas porquê falar de sexo quando esteve em causa a sobrevivência destas pessoas?”. A segunda relaciona-se com a “falta de confiança/abertura” para com o doente, o que constitui um obstáculo à abordagem deste assunto ainda tão tabu na nossa sociedade.

Admito que se torna muito difícil abordar este assunto quando o doente se demonstra pouco receptivo ao que lhe queremos transmitir, devido a esta “falta de confiança”, consequência do curto tempo disponível para cada doente. Mas penso que o Enfermeiro deve sempre tentar alcançar a máxima proximidade com o doente, de forma a descobrir seus receios e, a poder intervir quando necessário.

A sexualidade é de facto, um dos assuntos que mais aterroriza os doentes, especialmente os que foram submetidos à colostomia e mastectomia, por existir alterações na auto-imagem e também, a possibilidade de distúrbios sexuais. A sexualidade ocupa uma parte importante nas relações conjuguais / familiares e até sociais das pessoas.

Lembro-me agora que há uns dias, fiquei estupefacta por ter-me apercebido que alguns Enfermeiros desconheciam que a colostomia pode em certos casos, levar à impotência no homem.

Devido a tudo isto, acredito plenamente de que a acção de formação irá trazer benefícios ao serviço.  

Ainda acerca da preparação para a alta, devo dar os parabéns às senhoras e senhores da Liga Portuguesa Contra o Cancro e da associação Viver é Vencer pelo magnífico trabalho que desempenham face aos nossos doentes… Tive a oportunidade de os observar em diversos momentos e é realmente admirável a forma como conseguem animá-los e fazê-los como que “renascer”, cheios de esperança! O livrinho distribuído por eles também está muito adequado às necessidades dos doentes, lembrando-lhes tudo o que lhes é dito ao longo do internamento.

Novas aprendizagens

Desde que cheguei neste serviço que tenho a oportunidade de realizar diversas actividades novas para mim, como por exemplo:
- realizar a preparação pré-operatória conforme o protocolo existente no serviço;
- realizar enemas de limpeza (nunca tinha tido esta oportunidade e, correu lindamente!);
- cuidar de uma colostomia e realizar os ensinos de manutenção da mesma;
- realizar pensos de suturas operatórias abdominais extensas que pedem a aplicação de diversos produtos;
- fazer pensos de mastectomia e realizar os devidos ensinos, de forma a evitar complicações;
- avaliar a presença de sinais de complicação de uma ferida cirúrgica ou da própria cirurgia (por exemplo: a crepitação)
- verificar e garantir a funcionalidade dos drenos (tubulares, multicapilares ou de redyvac), fazendo mobilizações se necessário;
- retirar os diferentes tipos de drenos com a devida técnica (o Dr CC ensinou-me bastante neste aspecto);
- realizar os balanços hídricos na folha adequada;
- acompanhar o doente até o bloco operatório e fornecer as informações pertinentes ao colega do bloco.

Enfim, era impossível descrever as inúmeras experiências que vivi no serviço! Tenho aprendido bastante e quero continuar a aprender. Sinto-me já muito autónoma para planear e realizar as minhas acções de Enfermagem e, sempre que me surge uma dúvida tento esclarecê-la junto dos profissionais que julgo serem os mais adequados para o fazerem Enfermeiros, Médicos, Auxiliares de acção-médica ou Secretárias-Clínicas).

Vertente Relacional

Estou a gostar imenso de conviver com os nossos doentes…Todos eles têm histórias de vida incríveis! Tenho aprendido muito com todas as convivências. Um dos aspectos que eu mais critiquei nos meus anteriores estágios, é que os Enfermeiros abandonam rapidamente o doente quando sabem que já não existem esperanças de vida. Aqui, no serviço, isto não acontece…Muito pelo contrário! O acompanhamento é contínuo e penso até, que ele se intensifica quando sabem que o doente não tem cura. Penso que não se torna inadequado citar aqui, uma frase de Marie de Hennezel do seu último livro (“Je n’ai pas dit aurevoir”) e que me marcou muito, por eu acreditar plenamente nas suas palavras. Passo a citar: “Se já não podemos fazer nada pelo doente, podemos ainda fazer muito pela pessoa!”. Esta também me parece ser a “filosofia do cuidar” dos Enfermeiros do serviço de cirurgia. São todos extremamente humanos! Tenho-me por exemplo, apercebido do esforço que eles fazem por conhecerem os nomes de todos os doentes, de forma a poder tratá-los pelo nome…É a primeira vez que encontro, num serviço, “pessoas e não números de camas ou órgãos”!    

Gostaria de falar um pouco acerca do que eu senti quando vi o Sr. J. deitado na cama, prostrado, diria até, arrasado e muito debilitado. Senti pois, uma tristeza enorme mas, ao mesmo tempo uma revolta interior por não poder fazer nada que o fizesse reagir, voltar a ser o homem que eu conheci há 4 semanas atrás…Apercebi-me então de que nem sempre, poderei encontrar soluções para os meus doentes…Foi uma sensação de impotência muito estranha que nunca me tinha acontecido até o momento.

Outro aspecto a referir é que eu tenho tentado conhecer sempre os familiares dos meus doentes, aproveitando o momento das visitas para conversar um pouco com eles. Eles ficam muito gratos quando isso acontece e, estranhamente já quiseram oferecer-me por duas vezes dinheiro pelo simples facto de os informar acerca da evolução do doente e por lhes demonstrar o meu apoio…Admito que por vezes torna-se complicado para mim ter de reconfortar estas pessoas quando eu sei, e elas também sabem, que a morte do ente querido que vieram visitar será breve…Penso que seria muito importante haver no serviço um psicólogo para acompanhar estas pessoas tão fragilizadas, com o que lhes está a acontecer.

Em relação à minha integração na equipa multidisciplinar, penso poder afirmar que eu consegui estabelecer uma relação de bom entendimento com todos os elementos. Informo-me junto dos médicos quando estou interessada em descobrir um pouco mais acerca da situação clínica dos meus doentes e, eles também vêm ter comigo quando querem obter informações acerca dos mesmos. Tenho-me também empenhado bastante para trabalhar em equipa e aplicar a relação de inter-ajuda. Pois, para além de cuidar dos doentes que me foram distribuídos tento acompanhar a evolução do estado dos restantes doentes, de forma a também poder colaborar com os colegas quando é necessário. Tenho também ajudado as Auxiliares de acção-médica a prestarem os cuidados de higiene no WC na parte da manhã. Isto porque sempre considerei o momento do banho como um momento excelente, para nos aproximarmos dos doentes e ainda, para poder observá-los despistando determinados problemas.

A Minha Visita Nos Cuidados Paliativos

No dia 6 de Novembro, depois de ter trabalhado de manhã no serviço, dirigi-me primeiro ao Hotel dos Doentes e depois ao serviço dos Cuidados Paliativos, de forma a satisfazer a minha curiosidade…Nesta reflexão irei apenas descrever a minha experiência no serviço dos Cuidados Paliativos, onde me “perdi” e fiquei cerca de 3 horas…

Fiquei espantada com as magníficas condições que oferece o serviço dos Cuidados Paliativos aos seus doentes / familiares. Parecia que tinha saído do CROC para entrar numa outra instituição, um outro mundo…

Logo à entrada, o corredor comprido e pintado de cores claras (branco e creme), com quadros abstractos, pendurados de um lado e do outro, torna-se muito convidativo…Tudo parece tão calmo, respira-se uma paz e serenidade sublime que parece invadir os nossos sentidos.

O serviço é constituído por 15 quartos todos individuais e mobilados com uma cama, um sofá cama de 2 lugares, um cadeirão muito confortável e uma mesa. Possuem ainda casas de banho privativas com espaço suficiente para poderem estar 3 pessoas à vontade.

Temos ainda a sala de jantar muito bem apetrechada com mesas e cadeiras almofadadas. A sala de estar / de convívio é recheada de sofás e de mesinhas de pinho. Todas estas salas têm cortinados azuis e amarelos que combinam com todos os tecidos que encontramos nos sofás, cadeiras e até das cadeiras de rodas! Toda a decoração parece ter sido pensada…Diria até, que por momentos, pensei que estava numa casa e não numa instituição hospitalar! As cores vivas vêm aliviar a ideia de que a morte está por perto…

A sala de reuniões para os profissionais de saúde e a sala de terapêutica, encontram-se também muito organizadas, com espaço amplo. Visitei ainda a sala de banhos, onde encontramos a banheira de hudromassagem e os transferes. Todos os equipamentos encontrados no serviço são de alta tecnologia e representam, talvez, o que há de melhor neste momento no mercado.

A equipa multidisciplinar é constituída por 2 Médicos (presentes das 9-17H), 16 Enfermeiros, um Frei, uma assistente social (a tempo inteiro), e um psicólogo.

Os cuidados prestados no serviço pelos Enfermeiros são individualizados e personalizados e, dirigem-se sobretudo para cuidados que promovam o conforto e o bem-estar (banhos e massagens de relaxamento), longos momentos de apoio emocional / espiritual e a administração de terapêuticas. Existe no serviço um grande respeito pela autonomia do doente, ele pode estabelecer a sua rotina, criando os seus próprios horários, dependendo da sua vontade e hábitos. Todas as acções de Enfermagem pretendem evitar o sofrimento e a dor destes doentes.

Os doentes que eu encontrei no serviço tinham idades cumpridas entre os 24 e os 76 anos…24 anos! Esta jovem aparentava ter muito mais idade, ela trazia no rosto a marca de uma fadiga extrema causada pela própria doença.

Todos os doentes que dão entrada no serviço, devem ter mais de 18 anos, devem ter cancro e serem inscritas / seguidas no IPO e deve haver indicação médica de que já foram ultrapassados todos os tratamentos curativos. Assim só estão no serviço para o alívio dos sintomas (a base dos cuidados paliativos). A média do tempo de internamento no serviço é de 14 dias e cerca de 70% das altas ocorrem por falecimento dos doentes.

Os doentes deste serviço têm direitos particulares, como por exemplo, poderem vestir-se como quiserem, decorar o quarto como o entenderem, poderem ter a alimentação vinda de fora do IPO, serem acompanhados ao longo de todo o dia e noite por um familiar / amigo. 

Segundo a Enfermeira A., nem todos os doentes sabem ou querem saber que já não têm cura. Mas, a família deve ser sempre informada do verdadeiro prognóstico. Foi-me também dito pela Enfermeira que alguns doentes, os mais debilitados, num momento de desespero, pedem piedade para que seja aplicada a eutanásia…Acredito que deve ser extremamente difícil ouvir este pedido de alguém que já não quer viver para sofrer…Pois, há dores que os analgésicos não tiram.

A eutanásia não é legal, como é sabido e, portanto também não é praticada. A distanásia e a obstinação terapêutica também não é praticada no serviço, visto que só levaria ao prolongamento forçado do tempo de vida. As medicações mais utilizadas no serviço são: a morfina para a analgesia,o midazolan para a sedação e todo o tipo de anti depressivos. A via de administração de primeiro recurso é a perós, a seguir a transdérmica, a subcutânea (incluindo os soros), a rectal a endovenosa, evitando-se a intramuscular ao máximo (por ser mais dolorosa).

A Enfermeira referiu que as suas maiores dificuldades foram encontradas nos primeiros tempos que passou no serviço, ter de lidar e aceitar a morte e, ter de a comunicar aos familiares…É preciso ter estofo para isso! Eu não sei se poderia trabalhar num serviço semelhante a este…Teria medo de me aproximar de mais e sofrer com isso… 

Fiquei surpreendida quando me foi dito que já aconteceu alguns familiares quererem participar na preparação do corpo (a múmia) …É uma prova de amor e de grande coragem!

Todos os profissionais reconhecem a importância do envolvimento da família em todo este processo, envolvendo-os em tudo o que acontece com o doente. Os familiares têm assistência por telefone 24 H sobre 24, caso necessitem de comunicar com os Enfermeiros, durante o tempo em que os doentes se encontram no domicílio.

Os Enfermeiros também sofrem com todo este processo de morte pois, são eles que mais se aproximam dos doentes. No início, faziam reuniões mensais de forma a poderem desabafar um pouco, chorar se necessário…Desistiram com estas reuniões, mas não consegui obter uma justificação para tal.

Adorei ter realizado esta visita! Conheci uma Enfermagem diferente, talvez mais humana do que tecnicista…Deve ser muito gratificante trabalhar neste serviço mas também muito pesado psicologicamente. Acabo este relato com uma frase da Enfermeira A, que diz tudo: “Queremos simplesmente que os nossos doentinhos tenham a mesma dignidade na morte, que tiveram nas suas vidas!”.   

As Minhas Dificuldades

Durante este estágio tive a oportunidade de conhecer novos procedimentos mas também, de poder aperfeiçoar outras técnicas já conhecidas, demonstrando uma crescente destreza durante a realização das mesmas. Devo admitir que apesar de já ter realizado diversos pensos de mastectomias, nas primeiras 4 semanas, necessitava sempre de pedir à Enfermeira para avaliar se a compressão era ou não suficiente para àquela ferida cirúrgica. Agora já me sinto capaz de realizar este penso sozinha. Acredito que foi com a observação e com a experiência que consegui realizar este penso com toda a confiança de que, o que estou a fazer é o melhor para a minha doente.

Tenho ainda sentido certas dificuldades em “decifrar” o significado de alguns termos técnicos que se referem às diferentes cirurgias. Por este motivo, tenho pesquisado bastante nos livros de Oncologia e de Médico-cirúrgica e, na Internet. Ou então, simplesmente, pergunto aos Enfermeiros para me explicarem. Em relação aos Enfermeiros, tenho de dizer que me apercebi que todos eles tentam manter actualizados os conhecimentos que adquiriram dentro da área da Oncologia O que demonstra o interesse e o prazer que sentem em trabalhar no serviço…

Em relação às notas de Enfermagem devo dizer que tem sido um pouco confuso... Esforço-me sempre para escrevê-los de forma a que não que falte nenhum aspecto para justificar determinada categoria nas classificações dos doentes mas, o problema é que cada Enfermeiro tem a sua maneira de escrever e tem havido alguns “debates” em relação a esta situação que eu considero ridícula e desnecessária…Porquê se deve colocar frases do género: “Prevê-se que o doente mantenha os mesmos níveis de dependência para as próximas 24 Horas…”?! Pensava que as auditorias serviriam para avaliar se o número de Enfermeiros está ou não adequado para o serviço, reajustando as necessidades e equilibrando o trabalho dos Enfermeiros nos diferentes serviços. Na verdade, está a acontecer uma verdadeira revolta por parte dos Enfermeiros que sentem que estão a ser avaliados e julgados pelo o que escrevem, surgindo toda esta confusão em volta dos registos…

Sugestões

Tomei a liberdade de acrescentar este último ponto na minha reflexão, apesar de eu reconhecer que é de grande ousadia apontar “erros” ou querer “corrigir” determinados aspectos, no serviço de Cirurgia. De qualquer forma, este texto tem como objectivo levar-me a reflectir sobre o que eu faço, escuto e observo. Quero deixar explícito que, as minhas críticas servirão apenas para que aprenda com elas, para que procure ser uma profissional diferente àqueles que tiveram atitudes que me desagradaram/decepcionaram.

Assim penso que seria importante:
- nunca esquecer que o doente tem direitos e que por isso, deveria ser sempre pedido o consentimento informado antes de qualquer procedimento (ainda antes de levar o material para junto do doente).
- realizar sempre os pensos com o doente sentado ou deitado na maca na sala de pensos. Caso esta esteja ocupada, penso que era preferível efectuar este procedimento no quarto do doente (respeitando a sua privacidade e as regras de assepsia) e, não junto à porta de entrada da sala de pensos, com o doente sentado numa cadeira e, onde a qualquer momento, pode entrar outro colega.
- fazer todos os ensinos necessários desde o início do internamento, mesmo que se trate de um doente colostomizado que aguarda a consulta de estomoterapia.
- penso que se torna muito importante os alunos, que passam num serviço de cirurgia, terem a oportunidade de acompanhar, pelo menos uma vez, o seu doente no período peri-operatório. Surge assim uma total ruptura entre o pré e o pós-operatório! Não consigo entender porquê não nos foi cedido este pedido…Fiquei realmente muitíssimo decepcionada!  

Outro aspecto que me deixou surpreendida é o facto das mulheres que dão entrada no serviço para realizarem mastectomia, não saberem que podem colocar durante a cirurgia uma prótese para a reconstrução mamária. Já aconteceu uma doente entrar no serviço as 15h de um dia e voltar para casa as 16h do mesmo dia, por ter sabido desta possibilidade na véspera do internamento e, recusar ser operada sem colocar a mesma…. Porquê os médicos não informam essas mulheres deste aspecto tão importante?...

Fazendo Uma Curta Retrospectiva

Sinto que tenho conseguido desenvolver o meu espírito crítico e o meu sentido de reflexão, ao enfrentar no dia-a-dia situações novas para mim. Respeito as etapas do processo de Enfermagem (avaliação inicial, diagnósticos, planeamento, execução e avaliação), envolvendo a pessoa- o centro do processo. Estou mais autónoma para planear as acções de Enfermagem adequadas para determinada situação, estabelecendo objectivos reais. Agi sempre de forma a cumprir o projecto terapêutico, criando prioridades nos cuidados prestados, para organizar o meu trabalho com método e lógica. Honrei a nossa profissão em prezar pela pontualidade, assiduidade e sigilo.

Ao longo deste primeiro estágio, tive a oportunidade de cuidar de diferentes doentes com diferentes capacidades / potencialidades e portanto, com diferentes necessidades de acompanhamento. Realizei várias actividades conseguidas, umas com mais e outras com menos êxito mas, respeitando sempre o conforto, segurança, estética, eficácia e economia (de meios e material).

Sempre que me foi distribuido um doente , tentei obter o máximo de informações acerca do seu estado de saúde. Para isso, tive de realizar colheitas de dados (biopsicossociais e espirituais) junto dos doentes, validando-os com a família. Procurei também ter sempre as minhas informações actualizadas (de forma a poder informar correctamente os meus colegas, o doente e a família), estabelecendo diálogos com os médicos (durante a visita médica) e, lendo diariamente os processos clínicos. Desta forma, consegui conhecer os recursos dos meus doentes e incentivar a utilizá-los na prestação de cuidados (promovi a participação da pessoa nos cuidados essencialmente durante as refeições), tendo em atenção os seus hábitos de vida.

Respeitei a autonomia do beneficiador dos meus cuidados, ao pedir sempre o consentimento informado e esclarecido, respeitando as suas decisões. Ao praticar os cuidados de substituição/ ajuda parcial, garanti o conforto e a segurança do doente, tentando também manter a máxima privacidade, para que se sentisse bem.
Aos poucos, tornei as minhas acções mais eficazes, não hesitando na execução de determinadas técnicas e na “busca” de material (por exemplo), de forma em despender apenas das minhas energias necessárias.

Protegi-me e protegi os doentes, ao executar (conforme as regras de assépsia), a lavagem das mãos e a colocação de luvas (desde que necessárias), antes de qualquer técnica/ procedimento. Respeitei a higiene hospitalar ao separar correctamente, os resíduos e a roupa suja da limpa (entre outros cuidados). Prezei pela reposição do material e equipamento (como as cadeiras de rodas), de forma organizada, no local correcto. Tive também muito cuidado com as minhas posições adoptadas, especialmente nas transferências.

Pequeno Comentário Final

Para terminar esta reflexão queria apenas expressar em 3 palavras o prazer que sinto por estagiar no serviço de Cirurgia: Estou a Adorar!