Terceira Fase Enfermagem História e Epistemologia


Três fenómenos marcantes do período de Florence Nighthingale
Processo de doença e doente e quais as suas implicações em enfermagem
Cuidados de enfermagem e quais as acções daí decorrentes
A importância da observação em enfermagem
A posição da enfermagem no contexto das profissões
Referências bibliográficas

Três fenómenos marcantes do período de Florence Nightingale.
Os Três fenómenos marcantes da época de Nightingale foram a Revolução Industrial, a Guerra da Crimeia e o Romantismo.
Durante a segunda metade do século XVIII, na Inglaterra, uma série de transformações no processo de produção de mercadorias deram origem ao que se convencionou a primeira Revolução Industrial. Anteriormente à Revolução Industrial a produção era manual e em menor quantidade, posteriormente a esta a produção passou a ser mecanizada e em larga escala.
A Guerra da Crimeia foi uma disputa entre a Rússia a as potências aliadas nas quais se enquadrava o Reino Unido, aconteceu entre 1853 e 1856. Não foi a primeira guerra em que o exército britânico sofreu baixas, mas desta vez o público sabia o que se estava a passar
 através da crónica do correspondente do The Times. Nestas ele revelou a falta de condições e de provisões médicas nos hospitais de campanha. Face a estas revelações o ministro da guerra contacta Florence para que esta forme e envie enfermeiras para os hospitais de campanha, onde ela própria se incluía, realizando assim um desejo antigo.
O Romantismo foi também um fenómeno muito importante. É na transição do séc. XVIII para XIX que surgiu na Europa o Romantismo. Esta forma de arte manifestou-se principalmente na pintura, literatura e música. Surge um novo tipo de beleza fundamentada nos sinais de enfermidade. A palidez e a natureza dos enfermos descreve-se como essenciais para a beleza feminina. O Romantismo defende os valores como a liberdade individual e a independência dos povos.

Processo de doença e doente e quais as suas implicações em enfermagem.
" Enfermidade ou doença é uma maneira de a natureza livrar-se das condições que têm interferido com a saúde. É a tentativa da natureza de curar."
NIGHTINGALE citada por Almeida (1989:41)
Segundo Nightingale a doença é um processo que envolve restauração, ou seja, é um esforço da natureza para corrigir algo de errado no organismo que teve início despercebidamente. Deus quando criou o homem fê-lo de forma a que ele vivesse num ambiente saudável e com higiene, o que na época não acontecia. A doença é então um castigo de Deus sobre os humanos por estes não cumprirem as suas leis. (NIGHTINGALE, 1859:55)
Na nossa opinião a doença é um desequilíbrio das funções vitais do organismo que podem ter como consequência mal estar físico e/ou psicológico, que pode levar a uma dificuldade ou incapacidade de satisfazer algumas necessidades humanas. Mas tal como Nightingale achamos que o ambiente tem um papel preponderante na saúde das populações.
Através da sua obra "Notes on Nursing" Nightingale tentou educar a população para que as condições sanitárias da época melhorassem, já que eram totalmente ignoradas pela sua maioria.
Em relação ao doente, este devia ter um papel activo na sua recuperação, sendo responsabilizado por todas as actividades que tivesse a capacidade de exercer.
" É desejável que as janelas do quarto do doente sejam do tipo que ele próprio, na eventualidade de poder caminhar possa abri-las ou fechá-las com facilidade." NIGHTINGALE (1859:21)

Nightingale define dois tipos de doente: o real e o imaginário (hipocondríaco).
"...o verdadeiro doente muitas vezes vangloria-se para a enfermeira ou médico do quanto progrediu" por outro lado "...os hipocondríacos amiúde fazem às escondidas da enfermeira o que não fariam à sua vista"
NIGHTINGALE (1859:62)
Estes dois tipos de doentes necessitam de cuidados diferentes a nível da enfermagem. Será então da responsabilidade da enfermeira fazer essa distinção e aplicar o plano de cuidados adequado.
"Aprender a destinguir entre a doença real e imaginária constitui capítulo essencial na formação da enfermeira."
NIGHTINGALE (1859:61)
No caso do doente hipocondríaco é necessário uma maior intervenção a nível psicológico, tentando perceber o que o leva a tal comportamento. Quanto ao outro deve-se ter mais em atenção proporcionar elementos como o ar puro, luz, silêncio, dieta adequada, entre outros que permitam uma melhor recuperação da sua saúde, ou seja, elementos que coloquem o doente na melhor condição para que a natureza possa agir sobre este.

Cuidados de enfermagem e quais as acções daí decorrentes.
A concepção de Nightingale acerca da enfermagem foi baseada na observação dos conteúdos dos cuidados prestados por enfermeiras religiosas, voluntariado e instituições existentes, incidindo particularmente na prevenção, a concepção de Nighthingale contraria desta forma as concepções de enfermagem da sua época, que valorizavam acima de tudo a doença e o curar.
Nightingale defendia uma filosofia de enfermagem que incluía cuidados globais, o que implicava ver a pessoa como um todo, ou seja, um ser humano com uma doença e não como uma doença. Devendo ter em conta a pessoa e o seu ambiente.
De acordo com a sua concepção a enfermagem é uma prática não curativa, na qual o paciente é colocado na melhor condição para que a natureza possa agir sobre ele, oferecendo assim um ambiente estimulador ao desenvolvimento da saúde.
" colocar o paciente na melhor condição para a natureza agir"
NIGHTINGALE citado por Almeida (1989:41)
Nightingale não via a enfermeira limitada meramente à administração de medicamentos e tratamentos, mas ao contrário, voltada para proporcionar ar fresco, luz, calor moderado, limpeza, tranquilidade e nutrição adequada (Nightingale,1860;Torres,1986). Ela associou o estado de saúde do paciente aos factores ambientais. Defendia o atendimento tanto dos sadios como dos enfermos e defendia a promoção da saúde como uma actividade na qual as enfermeiras deviam participar, uma vez que as condições da época em termos de higiene eram miseráveis e não eram tidas em conta pela maioria da população.

"As práticas do cuidar que emergem dos meus factores de cuidados e de novas dimensões, atendem a sentimentos, relações, ensino-aprendizagem, momentos de cuidar, contexto, consciência e acções concretas relacionadas com um ambiente de suporte, protector, ou mentalmente correctivo, físico, sociocultural e espiritual. Variáveis que afectam ambientes externos e internos, como o stress, a mudança, necessidades de conforto, privacidade e arredores limpos-estéticos, são todos factores de cuidar que têm muito a ver com Nighthingale, na sua abordagem"
JEAN WATSON (2002:264)
Concluindo
"O conceito central que é mais reflectido dos escritos de Nighthingale é aquele do ambiente."
CHAIRPERSON citado por Almeida (1989:41)

A importância da observação em enfermagem.
Nightingale durante a Guerra da Crimeia utilizou como principais bases a observação meticulosa, a análise lógica e a estatística dos dados obtidos na experiência do cuidado. Segundo Marta Lima Basto (1996) Florence utilizou a observação para identificar as causas de morte dos feridos de guerra e utilizou a estatística para demostrar que à medida que se melhorava o nível de higiene do ambiente e do corpo diminuía o número de mortos, por prevenção das infecções. Demonstrando assim a utilidade dos cuidados de enfermagem prestados pelas enfermeiras.
Segundo Florence a observação tem um papel essencial no processo do cuidar, na medida em que nos permite fazer uma avaliação holística dos doentes servindo de base para todos os outros cuidados prestados por enfermeiros.
" Se você porém não conseguir adquirir o hábito de observação de uma maneira ou de outra, é melhor então deixar de ser enfermeira, pois não é sua vocação, em que pese sua bondade e seus anseios."
NIGHTINGALE (1859:126)
Florence dava grande importância à observação para verificar as alterações do estado de saúde do doente.
" As pessoas nunca ou quase nunca observam o suficiente para distinguir entre o efeito aparente de uma exposição ao sol, de saúde robusta, de uma pele delicada, de uma tendência à congestão, de rubor, afogueamento ou de muitos outros sintomas."
NIGHTINGALE (1859:129)
A enfermeira deve ter a capacidade de observar as perdas de força, sinais e sintomas de agravamento do estado clínico, avaliar a satisfação das necessidades básicas do doente (alimentação, sono, repouso, eliminação, etc.). Desta forma assegura não só a correcta transmissão de

informação ao médico que lhe permita fazer um diagnóstico preciso e instituir um tratamento adequado, como também uma correcta prestação de cuidados de modo a assegurar o conforto e bem-estar do doente.
Uma das filosofias da escola fundada por Florence é a observação meticulosa do doente.
" Sempre imaginei como seria proveitoso esse tipo de educação para conseguir objectivos mais importantes, e o fato é essencial, em se falando de enfermeiras."
NIGHTINGALE ( 1859:125)
De acordo com os autores que consultámos é também enfatizada a importância da observação em enfermagem.
" A observação do ambiente social, especialmente daquilo que se relaciona com as coletas de dados específicos, relacionados à doença, é fundamental quanto à prevenção da doença. Cada enfermeiro deve, assim, utilizar capacidades de observação, ao lidar com casos específicos, ao invés de satisfazer-se com os dados que dizem respeito ao paciente «médio»."
TORRES (1993:42)
" É preciso individualizar e distribuir os doentes em um espaço onde possam ser vigiados e onde seja registrado o que acontece; ao mesmo tempo se modificar o ar que respiram, a temperatura do meio, a água que bebem, o regime, de modo que o quadro hospitalar que os disciplina seja um instrumento de modificação com função terapêutica."
FOUCAULT citado por Almeida (1989:41)
" A quantidade de alívio e conforto experimentado pelo doente após a pele ter sido cuidadosamente lavada e secada, é uma das observações mais comuns feitas na cama de um doente."
JEAN WATSON (2002:219)

Posição da enfermagem no contexto das profissões
Florence Nightingale teve um papel fundamental na reforma dos hospitais públicos e militares sendo considerada a fundadora da enfermagem moderna. Em contrapartida, outros contributos pioneiros para o desenvolvimento e a profissionalização da enfermagem tendem a ser ignorados como é o caso de Ethel Bedford Fenwick (modelo americano), que é desconhecida pela maior parte dos enfermeiros.
Inicialmente era seguido um modelo religioso, que visava a salvação da alma, não sendo necessário a formação, apenas vocação. A enfermagem era desempenhada por religiosas ou por mulheres de má vida, que se encontravam frequentemente embriagadas, não sendo confiáveis. Era assim uma ocupação indigna de uma mulher respeitável.
"... pois o objectivo do cuidado de enfermagem não se ligava ao corpo do doente e nem à sua doença: importava o conforto da alma do paciente para sua salvação e a dos agentes da enfermagem, portanto, sem necessidade de uma teoria do cuidado de enfermagem."
ALMEIDA (1989:38)
O hospital, nesta época, era então considerado como um local negativo, onde não existiam as condições necessárias para assistência aos enfermos.
" Enfermeiras, no começo do Século XIX, tinham muito mais experiência prática em cuidar do doente, mas elas não tinham nenhum conceito de medicina cientifica e nenhum conceito de responsabilidade social. O médico necessitava de um assistente que pudesse trabalhar cientificamente e pudesse assistir inteligentemente."
DELOUGHERY citado por Almeida (1989:44)

Não havia lugar para o desenvolvimento do conhecimento em enfermagem, visto que a acção da enfermagem estava totalmente dependente do médico com o objectivo de auxiliar. ( ALMEIDA, 1989)
" Surge então a necessidade de treinamento formal do pessoal hospitalar para dar assistência de enfermagem e muito mais ainda para disciplinar a conduta da enfermeira a fim de diminuir os efeitos negativos do hospital."
ALMEIDA (1989:42)
Nightingale tentou contornar estes problemas, com o apoio político que lhe foi dado após os resultados por ela obtidos na guerra da Crimeia, com a criação de um sistema baseado na formação, treino, dedicação, disciplina de ferro e forte estratificação hierárquica.
" O treinamento dos agentes de enfermagem introduzido por Nightingale refere-se às técnicas disciplinares de enfermagem a fim de delimitar o espaço social que cada trabalhador da saúde deve ocupar na hierarquia do micropoder hospitalar, e, em especial, a preocupação com a hierarquia do pessoal de enfermagem."
ALMEIDA (1989:47)
Esta hierarquia reproduzia-se de acordo com a estrutura da família vitoriana:
Os médicos eram homens e das classes média-alta (upstairs);
A enfermagem era recrutada consoante a sua classe, mas entre as mulheres, desempenhando as funções de matrons, sisters, nurses;
Os homens e as mulheres das classes populares(downstairs) partilhavam as tarefas subalternas e menos nobres da trabalho hospitalar(pessoal operário e auxiliar).

Com a fundação da escola de enfermagem de Nightingale a formação de enfermagem passou a estar a cargo de enfermeiras, começando então a considerar-se profissão. Nessa escola eram admitidas dois tipos de alunas as ladies nurses , jovens de classe média alta que costeavam os seus estudos e eram treinadas para cargos de chefia e as nurses, jovens de classe média baixa que eram treinadas para a prestação de cuidados directos ao doente.
A formação das enfermeiras incluía não só o conhecimento técnico ministrado nos hospitais, mas também o desenvolvimento da disciplina e moral que ocorria num lar em que habitavam durante a sua formação.
" Portanto, o cuidado de enfermagem vai abandonando a finalidade religiosa e passa a ter a finalidade do controle do meio ambiente do paciente. E a disciplina é o elemento chave que é também incorporado pela enfermagem a fim de normatizar e regulamentar toda a vida do hospital."
ALMEIDA (1989:41)
A questão da profissionalização da enfermagem só começa a ser debatida sob o impulso do feminismo da 1ª geração(I Guerra Mundial) e sobretudo, do feminismo de 2ª geração ( a seguir à II Guerra Mundial).
Na América, devido ao contributo de Fenwick a enfermagem rapidamente se integrou no ensino superior e se destacou enquanto profissão, uma vez que o exercício da profissão exigia a inscrição de enfermeiros na Associação Americana de Enfermagem. Este processo foi mais lento na Europa devido à inexistência de uma associação de enfermeiros, mas também devido à recessão sócio-económica da Europa depois da segunda grande guerra.
Na actualidade uma actividade para ser considerada profissão tem que incluir estes três aspectos:
Um conjunto de actividades especificas;
Um corpo de conhecimento próprios;
Uma linguagem também própria;
A actividade de enfermagem implica agir, pela acção e pela palavra, na base da observação e da reflexão ancorada em conhecimento. A natureza do conhecimento profissional do enfermeiro são baseados:
Num conhecimento aplicado, de conceitos e processos tecnicamente aprendidos;
Um conhecimento vivencial, experienciado, isto é, derivado de casos e actualizado em cada novo contexto, o que significa um conhecimento progressivamente construído;
Um conhecimento que implica o conhecimento das pessoas, das doenças, dos doentes, ou seja, de cada uma das pessoas doentes que estão aos seus cuidados. Mas também o conhecimento dos princípios éticos e deontológicos e dos regulamentos. E todos eles alicerçados no conhecimento de si próprio e da sua actuação profissional, uma actuação que se deve considerar em desenvolvimento permanente.
"A enfermagem é uma profissão e uma disciplina que se encontra num cruzamento, na sua maturação e nas escolhas dos seus paradigmas. Se a enfermagem não fizer a escolha para a transformação e maturação dentro do seu próprio paradigma, então eu prevejo que outro grupo profissional emergirá para ir de encontro às necessidades do público"
JEAN WATSON (1989:230)
A profissão de enfermagem depois de ter vencido inúmeros obstáculos ao longo dos tempos, depara-se agora com uma nova luta de manter a autonomia já conquistada e adquirir ainda mais.