Hemofilia

 
Ciências Farmacêuticas
Biologia Celular II



O tema que vamos abordar no nosso trabalho monográfico é a Hemofilia. O que nos levou à escolha deste tema foi o facto deste ter merecido algum destaque durante as aulas teóricas, quando abordámos algumas das doenças que são transmitidas geneticamente, de geração para geração. 
            Para uma melhor abordagem do tema em questão optámos por dividir o tema da Hemofilia em seis sub-temas, para obter uma melhor compreensão acerca do mesmo.
            Com esta divisão pretendemos transmitir a todas as pessoas, possuidoras ou não de hemofilia, um pouco da história desta doença e ainda indicar, dentro do possível, alguns métodos que se possam aplicar na vigilância e tratamento, de modo a que o sofrimento dos doentes diminua e estes possam fazer uma vida o mais saudável possível. 
            Ao longo do trabalho vamos ainda focar alguns temas como a constituição do sangue de um hemofílico, os sinais clínicos que a doença apresenta e vamos ainda revelar a importância do apoio social e psicológico aos doentes com hemofilia.

II - Constituição do sangue



Um homem adulto tem cerca de cinco litros de sangue. Mais precisamente, o sangue perfaz um catorze avos do peso corporal, isto é, cinco litros para um homem médio. O sangue está contido num sistema fechado de tubos ou vasos sanguíneos: artérias, capilares e veias. As artérias e as veias são impermeáveis, mas os capilares, pequenos vasos pelos quais o sangue passa das artérias para as veias, deixam que a água e outras pequenas moléculas se escoem para os tecidos. Enquanto a água penetra  nos capilares na mesma medida em que se escoa deles (osmose), o volume total de sangue permanece constante.
            Tal como o osso ou o músculo, o sangue é um tecido, e como outros tecidos, compõe-se de células vivas incorporadas numa substância fundamental, mas esta não é sólida. A peculiaridade do sangue consiste em que o seu substracto é liquido, e mais abundante do que na maior parte dos tecidos. O sangue é constituído por glóbulos vermelhos, glóbulos brancos que flutuam num líquido amarelo, o plasma e por plaquetas. As células ocupam cerca de 45% do volume, de tal modo que em 5 litros de sangue temos pouco menos de 3 litros de plasma. É mais correcto considerar o plasma e as duas espécies de glóbulos como três órgãos separados, cada qual com a sua função própria e cada qual com as suas doenças.
O sangue é um liquido viscoso, opaco, variando a sua a cor do vermelho rutilante, ao quase negro, conforme o seu grau de oxigenação.(diferença entre sangue arterial e sangue venoso)
O sangue assegura um certo número de funções vitais ( ex.: trocas gasosas e nutrição das células, etc. )
 

































Plaquetas e coagulação


As plaquetas sanguíneas (trombócitos) têm vários efeitos na hemorragia. As plaquetas são pequenas partículas – muito mais pequenas que os glóbulos vermelhos que se originam a partir de grandes células da medula óssea. Um centímetro cubico de sangue normal contem certa de um quarto de milhões de plaquetas.
            Quando um vaso é lesado, as plaquetas aderem umas às outras e ao local da lesão, tapando assim a abertura. Este é um dos processos pelo qual se obstruem as artérias doentes em que as paredes deixaram de ser lisas (trombose).
            O sangue derramado tende a coagular. A coagulação é primeiramente uma mudança química de uma das proteínas do plasma, o fibrinogénio. O fibrinogénio anda dissolvido no plasma mas após duma hemorragia converte-se em fibras duma proteína insolúvel, a fibrina. Estas fibras enredam os glóbulos sanguíneos de maneira a fornecerem uma massa semi - sólida. Esta rede de fibrina, então contrai-se libertando um líquido amarelo, o soro, e deixando uma coágulo firme. São vários os factores que estão implícitos na conversão do fibrinogénio em fibrina. Na sua maior parte estão presentes no sangue circulante mas são inactivos até serem modificados por outros factores libertados a partir do tecido lesado, especialmente a partir das plaquetas quando elas se aglutinam umas com as outras.
            As plaquetas também libertam uma hormona a serotonina, que estimula os vasos sanguíneos a contraírem-se.
















































II - O que é a Hemofilia?


A Hemofilia é uma doença congénita e hereditária que consiste na ausência ou carência acentuada de um dos factores de coagulação do sangue e que se manifesta através da ocorrência espontânea de hemorragias de vários tipos (hemartroses – derrame de sangue numa articulação; hematomas – colecção de sangue num tecido, resultante de um traumatismo com rotura de vasos ou de uma perturbação da crase sanguínea; hematúrias – emissões de urina com sangue; etc.).
            Os portadores de hemofilia – os hemofílicos – apresentam, desta forma, dificuldades na coagulação do sangue estando constantemente sujeitos a hemorragias. As dificuldades que surgem no processo de coagulação são devidas à ausência hereditária de determinados factores sanguíneos ou factores de coagulação. São eles, presentes quer no sangue quer nos tecidos, que desempenham uma função no complexo mecanismo de coagulação do sangue.
           
De acordo com a nomenclatura oficial, reconhecem-se 12 factores designados pela numeração romana de I a XIII, contudo o número V não foi oficialmente atribuído, mas para certas pessoas designa a acelerina, globulina do sangue que acelera a formação da trombina (enzima que transforma o fibrogénio em fibrina) e das tromboplastinas ou tromboquinase (conjunto de substâncias que intervêm na coagulação e transformam a protrombina em trombina).

FACTORES QUE PARTICIPAM DA COAGULAÇÃO DO SANGUE
·         Factor I – fibrinogénio
·         Factor II - protrombina
·         Factor III - trombopiastina
·         Factor IV – iões-cálcio
·         (Factor V) - pró-acelerina ou factor lábil
·         Factor VI - acelerina (participação duvidosa)
·         Factor VIl - proconvertina ou factor estável
Factor VIII -  globulina anti-hemofílica AFactor IX - globulina anti-hemofílica B ou factor ChristmasFactor X -  factor Stuart-ProwerFactor XI - precursor plasmático da tromboplastinaFactor XII - factor HagemanFactor XIII  -factor estabilizador da fibrina
           
                                         Figura 6 – Diferentes tipos de factores sanguíneos


            O complexo mecanismo de coagulação, já referido anteriormente, é um mecanismo vital, do organismo, contra as perdas excessivas de sangue que auxilia as interrupções (indispensáveis à sobrevivência) de hemorragias que estamos diariamente sujeitos. Actua fechando os vasos sanguíneos que se encontram abertos numa situação hemorrágica, impedindo que o sangue continue a extravasar. Este mecanismo pode mesmo ser considerado como um mecanismo de defesa natural.

            Contudo, quando ocorrem perturbações no mecanismo de coagulação, mesmo lesões consideradas inofensivas como, por exemplo, um corte superficial no dedo ou uma simples extracção dentária, podem provocar sangramentos intensos que duram horas ou dias, chegando a comprometer e a por em risco a vida do indivíduo.
            De uma forma resumida e simplificada, podemos dizer que o mecanismo de coagulação do sangue consiste numa extensa cadeia de reacções, nas quais interferem numerosas substâncias sanguíneas e celulares que agem umas sobre as outras, com o intuito último de as levar à formação de uma proteína especial – a fibrina.
            A fase final da coagulação é determinada pela formação desta proteína que se vai depositando sob a forma de um emaranhado de fios microscópicos que acabam por aprisionar completamente as células sanguíneas. Os fios recém formados aderem as células, aos tecidos e, também à superfície alterada do revestimento interno dos vasos – forma-se, assim, o coágulo. O sangue que foi extravasado durante a hemorragia torna-se numa massa gelatinosa impedindo que o sangue continue a extravasar.

            A hemofilia apresenta-se assim como uma “temível” doença ligada directamente ao sangue, que requer uma série de cuidados e regras.
Podemos definir três tipos diferentes de hemofilia:

            Hemofilia A: É conhecida, também, como hemofilia clássica ou como doença de von Willebrand e caracteriaza-se pela ausência do factor VIII da coagulação ou globulina anti-hemofilica; (cerca de 80% dos casos).

            Hemofilia B: Caracteriza-se pela ausência do factor IX ou factor hemofílico B; é também conhecida como doença de Christmas; (de 10 a 15% dos casos).

            Hemofilia C: Caracteriza-se pela ausência do factor XII.

IV – A História da Hemofilia


A Hemofilia é uma das mais antigas doenças hereditárias conhecidas. A Hemofilia é conhecida como “a doença dos reis” e como uma doença de sangue azul, porque ocorreu em inúmeras famílias reais da Europa e da Rússia.
            A História da Hemofilia começou há muitos anos. Hoje sabemos muito acerca desta doença, mas durante muitos anos foi um mistério, qual seria o misterioso e estranho problema que originava a abundante perda de sangue? como aparecia a Hemofilia? o que fazer, que tratamento se poderia dar, porque sangravam abundantemente?, enfim um vasto número de questões sem resposta na altura.
            Ao longo de muitos anos, muitas pessoas estudaram a Hemofilia, para poder encontrar respostas a estas perguntas e quanto mais se estudava mais se aprendia sobre o assunto. Ao fim de muitos anos de estudo tem-se vindo a encontrar algumas respostas para estes problemas, com os novos tratamentos que se tem vindo a desenvolver pensa-se que se pode melhorar muito este sofrimento e com o avançar do tempo os casos mais graves passarão a ser moderados o que faz com que seja já uma grande vitória. Através da engenharia genética, os mais optimistas falam já na cura da Hemofilia.
            É importante que se conheça um pouco da história da Hemofilia, antes de se conhecer um tratamento adequado.
            Os escritos mais antigos que se conhecem têm mais ou menos 1700 anos. Um povo de Rabinos ao praticar a circuncisão deram-se conta que em alguns meninos sangravam abundantemente, nessa altura os rabinos não sabiam o que era a Hemofilia, mas deram-se conta que só em certas famílias isso acontecia, como era um costume religioso, foram elaborados regulamentos novos onde é relatada a decisão do patriarca Rabbi-Judah que isenta o terceiro filho de uma mulher de ser circuncisado, quando os seus dois primeiros filhos morreram de hemorragia depois da circuncisão.
            Posteriormente foram encontradas escritas que testemunhavam aparições de casos de hemofilia em vários locais do Mundo, merece a pena destacar que o nome de hemofilia apareceu pela primeira vez no século XI através de um médico Árabe de nome Albucasin. Durante o Século XII outro rabino de nome Maimónides descobriu em meninos que tinham hemofilia que esta era transmitida pela mãe, e então foi criada uma nova lei que dizia que se uma mãe que tivesse filhos com esse problema e que se casasse novamente nenhum dos seus descendentes seria circuncisado.
            Em 1800 um médico americano chamado John C.Otto elaborou o primeiro estudo sobre as famílias hemofílicas e, durante o ano de 1803 descobriu a genética da hemofilia “A”. Verificou que mães sem problema de sangramento poderiam transmitir hemofilia aos filhos e as suas filhas aos seus netos e netas.
Durante muitos anos não houve tratamento adequado para controlar as hemorragias da Hemofilia. Finalmente, em 1840, um médico em Londres constatou que algo faltava no sangue de um doente. Para ver se estava certo, fez o teste com um jovem com Hemofilia e administrou-lhe uma transfusão de sangue proveniente de uma pessoa saudável e a hemorragia parou. A descoberta de que uma transfusão de sangue podia parar uma hemorragia numa pessoa com Hemofilia foi bastante importante, mas só muito tempo depois se compreendeu a sua verdadeira importância.      

V - Modo de transmissão da hemofilia


            O sexo de uma criança recém nascida é determinado pelos cromossomas sexuais quer do pai quer da mãe.
            Se a fórmula genética da criança é XX quer dizer de uma rapariga, se a forma for XY trata-se de um rapaz. Conforme o que o pai, cuja forma genética é por definição XY, transmite à criança, cromossoma X ou cromossoma Y, nós teremos forçosamente um rapaz ou uma rapariga, visto que a mãe cuja forma é XX, transmite-se necessariamente um cromossoma X.
            Como o cromossoma X é o portador da aptidão para fabricar os factores anti – hemofílicos VIII ou IX (valores normais entre cinquenta a cento e cinquenta por cento), pode acontecer a seguinte transmissão:

            1 – se o rapaz herda o cromossoma X “anormal”, este será incapaz ou pouco capaz de sintetizar estes factores e então terá hemofilia, com uma percentagem de 0 a 30% de factor VIII e IX.
            2 – se é uma rapariga que herda, o outro cromossoma X normal fará com que a percentagem de factor VIII e IX seja vizinha dos 50%, geralmente entre 25 e 75%, o que clinicamente não dá nenhum sintoma especifico de hemofilia.
            3 – se uma rapariga herda por outro lado o cromossoma X portador da anomalia X de um pai com hemofilia e, por outro lado, de uma mãe portadora, eventualidade extremamente rara, ela terá uma fórmula genética XX anormal e terá hemofilia com uma percentagem de factor de 0 a 30%.

            Nos quadros seguintes verifica-se em esquema as possibilidades de transmissão da hemofilia, e onde as letras em azul representam os portadores ou doentes:

Exemplo 1:














Deste modo a hemofilia é considerado uma doença hereditária com um carácter recessivo ligado ao sexo. Isto significa que uma mulher afectada é portadora da doença sem sofrer dela, mas os homens afectados são realmente hemofílicos. Os filhos de mulheres portadoras têm 50% de probabilidade de herdar o defeito – as raparigas como portadoras e os rapazes como doentes. Uma rapariga só pode ter hemofilia de forma manifesta no caso improvável dos seus progenitores serem uma portadora e um doente, ou ambos doentes. Mas as raparigas podem herdar algumas deficiências muito raras e outros factores da coagulação.
            Várias famílias reais têm sido afectadas por hemofilia entre elas a família da Rainha Vitória e do Príncipe Alexis.


5.1 - Família da Rainha Vitória

             Provavelmente nunca saberemos se as perturbações hemorrágicas que afligiam os descendentes da Rainha era a hemofilia A ou a doença de Christmas porque ambas seguem o mesmo processo de herditariedade e ambas podem ter o mesmo efeito. Através da análise feita à árvore genealógica que o gene anormal é transmitido pelo pai atingindo (Leopoldo) a sua filha. Isto porque o pai terá que dar um “X” para procriar uma filha. Um espermatozóide “Y” produziria o rapaz:

 
Figura 7 - Árvore genealógica da Rainha Vitória

























5.2 - Alexis                             

Quando tinha oito anos de idade, durante as férias, ocorreu uma destas hemorragias, ao resvalar, quando estava a subir para um barco e feriu a perna. Ficou de cama alguns dias e aparentemente parecia que estava recuperado, mas duas semanas depois a situação piorou de repente, apareceu-lhe uma infecção na perna que tinha estado a sangrar internamente sem que ninguém desse por isso. Devido a esta situação, o sangue tinha subido ao abdómen e fazia pressão contra a sua pele e nervos, a dor era horrível e durante onze longos dias, Alexis gritava e queixava-se mas os médicos não podiam fazer nada.
Devido à gravidade da crise, somente um ano depois é que o pequeno príncipe começou a andar novamente.

Figura 8 - Príncipe Alexis
 

No caso de uma ausência de antecedentes familiares pode-se explicar o aparecimento da hemofilia de duas maneiras:
a) Ou a doença permaneceu latente de portadora em portadora durante várias gerações.
b) Ou se produziu o que se chama uma mutação, o que quer dizer que um cromossoma se tornou subitamente anormal, sob a influência de radiações, por exemplo. A anomalia uma vez aparecida transmite-se ulteriormente.


            Qual das duas hipóteses se deve aceitar?

As últimas investigações sobre a matéria inclinam-se para a segunda hipótese, a das mutações, o que se explicaria a persistência da doença desde os tempos mais antigos.

A frequência da hemofilia nos países da Europa ou da população europeia é, como se sabe, de um caso para 5.000 nascimentos masculinos no que diz respeito a hemofilia A e de um para 50.000 a 100.000 respeitante Á hemofilia B.

A aplicação de novos métodos imunológicos permite aumentar as possibilidades de detecção da anomalia nas portadoras e, eventualmente, verificar se a afecção está latente ou notória. Com efeito, é possível medir a quantidade de Factor VIII activo realmente presente, quer pela actividade anti-hemofílica duma amostra sanguínea, quer por métodos imunológicos.
Como se tende a admitir actualmente que na hemofilia o Factor VIII ou IX não está ausente mas activo, bastaria confrontar os resultados obtidos respectivamente pelas dosagens de actividade, como se faz habitualmente, e as dosagens dos factores pelos métodos imunológicos, para poder concluir, no caso de discordância significativa, uma anomalia latente, isto é, a presença de um estado de portadora na mulher. Se esta discordância não é encontrada na mãe de uma pessoa com hemofilia, sem antecedentes familiares da doença, poder-se-á chegar à conclusão de que aconteceu uma mutação.
O emprego desta nova técnica fez nascer grandes esperanças de aumentar consideravelmente as possibilidades de detecção das portadoras, já que, até agora, somente 25 a 50% das portadoras poderiam ser postas em evidência com suficiente certeza. Afirmou-se então que 90% das portadoras poderiam ser assim reencontradas.
Os últimos estudos feitos no Estados Unidos e na Europa são entretanto menos categóricos e tem-se estimado mais prudentemente que nas condições actuais uma certeza suficiente não aparece senão em 40 a 70% dos casos. (Neste caso, o rapaz solitário afectado pela hemofilia é, provavelmente resultado de uma mutação e essa mutação pode ter surgido somente no óvulo fertelizado, caso em que nenhum outro filho será afectado. Porém, ele pode ter surgido no espermatozóide do pai e da mãe, ou no óvulo da mãe ou da avó da mãe e neste caso, a mãe será produtora e os filhos seguintes estão em risco)


            Efeitos: no caso das hemofilias, sabemos que certos membros de uma família terão que ser portadores. São eles:

-    As mães que tiverem um filho hemofílico e antecedentes desta perturbação na família
-     As mães com mais de um filho hemofílico
-     Todas as filhas de um pai hemofílico






VI - Hemorragias


O sangue é essencialmente um meio de transporte de oxigénio e de outras substâncias essenciais por todo o organismo. A hemorragia significa perda de sangue do circuito dos vasos tubulares – artérias, capilares, veias. Se efectivamente sai ou não do corpo não importa. Um litro de sangue entre nos músculos que circundam um fémur fracturado constitui uma perda semelhante a de um pescoço cortado. Pode-se sangrar até à morte em consequência de uma pancada no baço, aparentemente sem perda de uma gota de sangue.
Uma hemorragia pode ser considera rápida e crónica. A hemorragia rápida consiste na insuficiência da circulação sanguínea, quando a tenção arterial é demasiado baixo para manter um fluxo adequado através dos tecidos e de retorno ao coração; é muitas vezes a causa imediata de morte depois de um traumatismo ou doença aguda. O factor letal é uma redução do fluxo sanguíneo cerebral. Outros órgãos podem funcionar por algum tempo com irrigação sanguínea reduzida, mas o cérebro não pode.
            Em estado de saúde, o calibre dos vasos sanguíneos é tal que eles oferecem uma resistência contínua ao fluxo sanguíneo. Em consequência disso, mantém-se uma tensão uniforme, suficiente para que seja bombeado, através dos vasos cerebrais, o sangue necessário para manter o fornecimento de oxigénio e glicose, e remover os produtos do catabolismo.
            A não ser quando entra em jogo algum mecanismo compensador, a tensão arterial baixa se: (1)diminuir o volume sanguíneo, (2)aumentar a capacidade dos vasos ou (3)diminuir a capacidade do coração para impelir o sangue. Os três mecanismos podem contribuir para o um estado de choque. Uma quarta causa de queda de tensão arterial, mas menos frequente, seria a diminuição da viscosidade sanguínea, que influencia.
            (1) – quando alguém dá meio litro de sangue os seus vasos contraem-se de maneira que com o volume sanguíneo restante, se mantenha a pressão original. Mais tarde, o volume é restaurado a custa dos líquidos teciduais, e as células e proteínas perdidas são readquiridas mais gradualmente. Mas após uma hemorragia grave, acrescida de lesão dos tecidos, dos vasos, não se contraem suficientemente e a pressão decresce. Não é necessária, que a hemorragia seja aparente. Pode perder-se, para os músculos da coxa à volta do foco da fractura do fémur, sangue suficiente para levar ao traumatismo. Pode acumular-se uma grande quantidade de líquido numa queimadura, a maior parte do qual derivado do sangue, com efeitos circulatórios semelhantes aos de uma hemorragia.
            (2) – um desmaio vulgar é devido à actividade reflexa incluindo um aumento repentino da capacidade dos vasos sanguíneos dos órgãos internos, a constrição simultânea dos vasos da pele, provocando a palidez, não é suficiente para compensar, e, por um momento – até à queda – o doente está em estado de choque. Pode existir um reflexo semelhante após traumatismo, aumentando o efeito da hemorragia. A dor e a ansiedade  agravam o quadro clínico. Com algumas infecções muitos graves e certos tipos de intoxicação química o controlo dos vasos pelo sistema nervoso pode ficar tão alterado que surge um estado de choque.
            (3) – a eficácia do coração pode diminuir repentinamente por lesão do músculo cardíaco, por exemplo, devido a trombose coronária, fazem cair a pressão sanguínea para níveis perigosos.
            Todos estes tipos de choque podem ocorrer em conjunto. Se, por qualquer razão, a circulação estiver alterada, o coração e os vasos estão privados de oxigénio como outro órgão qualquer, o que faz com que haja vasodilatação e o coração bate com menos eficácia. Estabelece-se, então, um perigoso ciclo vicioso, e o doente tem poucas probabilidades de sobreviver sem tratamento.
            O tratamento depende, obviamente da causa. Nos traumatismos, o primeiro passo é evitar que novos traumatismos surjam. De modo a parar-se a hemorragia para que a substituição do sangue perdido tenha efeito. Uma leve pressão sobre uma artéria ou à volta da ferida, ou uma ligadura bem aplicada, são suficientes. Quando a hemorragia estiver parada, qualquer interferência com a ferida pode provoca-la de novo. Os movimentos dos membros fracturados aumentam a lesão e a dor; ambas as manifestações contribuem para o estado de choque.
            Na maioria dos tipos de choque, o tratamento definitivo é a substituição dos líquidos perdidos, se possível com transfusão de sangue.
            A evolução natural é que a hemorragia pare, e isto implica vários mecanismos.
            Uma hemorragia rápida e profunda provoca estado de choque. Uma hemorragia lenta e prolongada provoca anemia.
            Uma perda de sangue ligeira não tem efeitos prejudicais, embora as lesões associadas os possam ter. Mas o termo “ligeira” é relativo. Uma pessoa de perfeita saúde pode perder 15% do seu sangue impunemente. Um homem adulto, isto significa 15% de cinco litros; numa criança de dez anos, 15% de metade de cinco litros; numa criança de três anos, 15% de um quarto de cinco litros; numa criança de um ano, 15% de meio litro.
            A hemorragia reduz o volume o total de sangue, mas após uma hemorragia “ligeira” os vasos contraem-se automaticamente o suficiente para manter a pressão sanguínea. É isto, e não a anemia súbita, que provoca a palidez da pele após a hemorragia.
            O volume normal de sangue restabelece-se algumas horas depois da hemorragia, por diluição com água dos espaços teciduais, e as proteínas plasmáticas perdidas estabelecem-se poucos dias depois. Para substituir as células sanguíneas, são necessárias varias semanas.
            Os mecanismos naturais para fazer parar a hemorragia incluem a contracção reflexa dos vasos sanguíneos cortados e a coagulação do sangue. Estes mecanismos podem ser ajudados através de uma firme pressão sobre a ferida, como por exemplo, o penso. A pressão reduz o fluxo de sangue, e o penso colabora no processo de coagulação.






VII - Sintomatologia


A hemofilia é constituída por um quadro hemorrágico com localizações preferentemente nas massas musculares ou nas articulações; as hemorragias pós-traumáticas recordam aqui as que aparecem nos indivíduos normais, mas são, evidentemente mais prolongadas e intensas e nunca têm aquele carácter da petéquia ou da sufusão estendida pelo tronco e pelos membros, tão típico das trombopenias (baixa de plaquetas). São a hemorragia por extracção dentária, por trauma cirúrgico ou acidental, a hemorragia laríngea e da língua que podem ser perigosas porque afectam as vias respiratorias, a hemartrose, sobretudo dos joelhos, o hematoma dos braços e das pernas, que assinalam a hemofilia. A evolução da doença prefere certas épocas da vida, como o início da infância, da puberdade ou da idade adulta, podendo provocar grandes hemorragias em certo momento com um ou um trauma ou então suportando-se facilmente a mesma agressão, sem manifestação de diátese hemorrágica. Um dos aspectos interessantes da hemorragia da síndrome hemofílica é a hemorragia em dois tempos; após a hemostase, que se dá num tempo normal e decorrido um lapso variável, volta a perda sanguínea pela falta de formação de um coágulo consistente.
É característica também a tendência a estender-se em profundidade, formando grandes hematomas a partir de traumas mínimos.
Também é curiosa a preferência para se repetir no mesmo local em cada caso clínico como por exemplo, a hemorragia articular tão típica, preferencialmente no joelho, cotovelos, pés, ancas, mãos e espáduas.
Após um trauma possivelmente o vaso fica lesado sendo mais fácil ocorrer posteriormente uma nova hemorragia espontânea. A evolução destes processos articulares costuma-se fazer-se através dos seguintes estádios:
1ª fase, fase da hemartrose, com articulação muito dolorosa, sinais de derrame intra-articular, febre, impotência funcional; trata-se de um derrame com ou sem coágulos, sendo estes, quando existem, consequência de hemorragias antigas; o derrame organiza-se pouco a pouco, passando-se lentamente à 2ª fase, fase de artrite, artrite a que podemos chamar asséptica e em que aparece o aumento das viscosidades sinoviais e a irregularidade da superfície articular, que conduzem à 3ª fase, fase dos processos regressivos, com espessamento e retracção periarticulares, anquilose da articulação e, como consequência, as atrofias artropáticas, a osteoporose por inactividade, as fracturas patológicas, etc. A marca mais importante para o clínico que tem de fazer o diagnóstico diferencial é, alem da semiologia física directa que se deduz desta evolução descrita, o aspecto radiológico (fig. 9) que mostra primeiramente, a atrofia das trabéculas das epífises e o engrossamento destas e, mais tarde, os sinais de artrofia óssea, a irregularidade das superfícies articulares, a diminuição da entrelinha e a presença de zonas de hipertransparência corresponde a hematomas subcondrais, que contrastam com as zonas de opacidade dos tecidos moles, consequência da deposição de ferro relacionada com repetidas hemorragias. O estado final caracteriza-se pelo aparecimento das exostoses e dos osteófitos e pela deformação, cada vez mais marcante, das superfícies articulares.
As hemorragias internas dos tecidos moles podem ser graves nomeadamente do espaço retroperitonial ou da bainha do psoas.ode haver ainda hemorragias gastrointestinais. hematuria (hemorragia das vias urinarias), raramente dá grandes problemas.