Pericardite Aguda


pericardite-battericaO saco pericárdico é o tecido fibroso que envolve o coração, que auxilia em sua fixação, reduz o atrito com as estruturas vizinhas e previne infecções pela formação de uma barreira física. Como é um invólucro  fechado, o saco pericárdico contribui em prevenir a dilatação aguda do coração na diástole e distribui as forças hidrostáticas de maneira uniforme durante o ciclo cardíaco.  Na verdade a saco pericárdico constitui-se em 2 membranas, uma fibrosa externa e uma serosa interna que contém uma quantidade mínima de líquido que
mantém a lubrificação dos folhetos.
PATOLOGIAS DO PERICÁRDIO
A inflamação dos folhetos do pericárdio, independente da sua etiologia constitui a pericardite. Clinicamente se caracterizam pela presença de dor precordial, atrito pericárdico e anormalidades no eletrocardiográficas. Pode ocorrer no entanto de forma subclínica ou ainda como patologia associada a miocardites ou endocardites. Geralmente é uma doença auto-limitada secundária a outro processo sistémico, passando então muitas vezes de forma despercebida.
A pericardite pode evoluir com a transudação de líquidos e aumento do volume normal do líquido pericárdico, causando o derrame pericárdico. Um aumento súbito da quantidade de líquido pericárdico ou mesmo crónico, mas em grande quantidade, pode gerar um aumento da pressão intrapericárdica que irá causar alteração do ciclo hemodinâmico cardíaco o que constitui o tamponamento cardíaco.   A cronificação do processo inflamatório pode resultar em algumas situações no espessamento do saco pericárdico, com perda de sua distensibilidade, impedindo a diástole ventricular, chamado de constrição do pericárdio ou pericardite constritiva.
O pericárdio pode não existir de forma congénita - agenesia do pericárdio.
ETIOLOGIA
A pericardite geralmente é uma doença auto-limitada secundária a outro processo sistémico, passando então muitas vezes de forma despercebida. 
Muitas vezes no entanto, não se identifica a causa primária de uma pericardite, sendo freqüente o diagnóstico da forma idiopática.
As causas identificáveis são inúmeras entre elas: idiopática, infecciosa, doenças auto-imunes, doenças inflamatórias, neoplásicas, uremia, radiação, enfarto agudo do miocárdio, mixedema, trauma, dissecção aórtica, Síndrome pós pericardiotomia.
QUADRO CLÍNICO
A natureza dos aspectos clínicos depende basicamente da doença de base. 
Na etiologia viral, a pericardite pode surgir após quadro de infecção de vias aéreas superiores e inclui dor torácica, dispnéia e febre. Já a pericardite por tuberculose se apresenta de modo insidioso, com aparecimento gradual e sintomas inespecíficos de febre, mal-estar, anorexia e fraqueza. 

A dor torácica é um dos aspectos mais importantes da pericardite. Em geral é precordial, podendo irradiar para o exterior do músculo trapézio esquerdo, ter duração de horas ou dias e apresentar características pleuríticas, piorando com os movimentos respiratórios, com a movimentação do tórax e com a postura do corpo. A precordialgia diferencia-se da dor torácica de origem isquêmica pela forma pleurítica da dor, pela duração que é longa e contínua por horas ou mesmo dias, não piora com o esforço e modifica com a postura do corpo, melhorando ou piorando dependendo da posição.
A dispneia ocorre em razão da necessidade do doente, de ele respirar superficialmente por causa do quadro doloroso. Pode ser agravada pela febre e pela compressão de estruturas pulmonares.
É possível que ocorram outros sintomas relacionadas com a doença de base (perda de peso, tosse seca ou produtiva, febre).
A auscultação cardíaca tem como marca o atrito pericárdico. O ruído possui 3 fases correspondentes: a sístole atrial, sístole ventricular e enchimento rápido da diástole. A presença dos 3 componentes audíveis simultaneamente é rara. A auscultação do atrito pericárdico também tem a característica de mudar entre um exame e outro e com a posição do doente. Com freqüência não se detecta ruído algum durante a pericardite.
EXAMES LABORATORAIS
Alterações bioquímicas
Pode ocorrer leucocitose e aumento da hemossedimentação, contudo as enzimas cardíacas são em geral normais, podendo ocorrer casos com comprometimento miocárdico associado, com alteração variável da CK-MB.
Dependendo da etiologia da doença pericárdica, outras modificações podem surgir, como níveis aumentados de ureia e creatinina, alteração de provas específicas ou inespecíficas de actividade inflamatória ou concentrações séricas anormais de marcadores de actividade tumoral.
A análise do fluido intrapericárdico obtido por punção é fundamental para identificar a etiologia do derrame pericárdico. Devem ser analisados o conteúdo de proteínas do líquido pericárdico e a celularidade deste, incluindo a pesquisa de células neoplásicas. Devem ser efectuados exames bacterioscópicos e pesquisa de bacilos álcool-ácido resistentes (BAAR) e outras bactérias. Tem-se demonstrado que níveis elevados de adenosina desaminase (ALA > 40 UI/L) no liquido pericárdico é específico para permitir o diagnóstico de pericardite tuberculosa.  A doença neoplásica pericárdica pode ser diagnosticada quando níveis elevados de antígeno carcinoembrionário (CEA> 5 ng/ml).
Alterações eletrocardiográficas
As alterações eletrocardiográficas são variáveis e, por isso, a associação com o quadro clínico é imprescindível na maioria dos casos. As alterações típicas ocorrem durante o curso da pericardite aguda. A sequência das modificações eletrocardiográficas podem ser divididas em  quatro estágios:
Estágio 1: consiste em elevação do segmento ST com concavidade voltada
para cima em todas as derivações, excepto aVR e V1, não respeitando a anatomia
coronariana. Neste estágio as ondas T podem ser altas e pontiagudas. Em geral o
eixo do ST se situa entre +30 e +60º.
Estágio 2: ocorre retorno do segmento ST à linha de base e a onda T se achata. Neste estágio é possível observar, em alguns casos, a depressão do segmento PR (onda Ta), achado muito sugestivo de pericardite aguda, pesar de ocorrer em outras situações raras, como no enfarto atrial. 
Estágio 3: há inversão da onda T, sem perda da voltagem do QRS.  
Estágio 4: É a volta à normalidade, porém, dependendo da etiologia, a onda T
pode ficar invertida por um grande período de tempo.
Podem ser registadas arritmias supraventriculares, como taquicardia sinusal, flutter e fibrilhação atriais, que são secundários tanto ao processo inflamatório quanto ao comprometimento miocárdico associado. A constatação de bloqueios atrioventriculares, bloqueios de ramo e arritmias ventriculares sugere a presença de outra doença cardíaca concomitante, pois não são aspectos característicos da pericardite aguda.
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Supradesnivelamento de ST (côncavo) difuso, excepto aVR e V1
Alterações Radiográficas
A radiografia de tórax é inespecífica. A área cardíaca permanece enquanto o derrame for inferior a 250 ml. Graus variáveis de derrame podem configurar uma imagem triangular dificilmente distinguível dos casos de miocardiopatia dilatada. O Raio X pode fornecer uma pista e estabelecer o diagnóstico etiológico da pericardite (Ex: tumor de pulmão, derrames pleurais, alterações da aorta torácica, doenças pulmonares, tuberculose e colagenoses).
Salienta-se que uma radiografia de tórax normal não exclui a presença de pericardite.
Modificações ecocardiográficas
O ecocardiograma é útil para detectar derrames pericárdicos, mesmo que pequenos. Não é um exame diagnóstico definitivo, já que alguns derrames  podem estar ausentes no momento de sua realização. Ressalta-se ainda que algumas pericardites são “secas” e, portanto, não se acompanham de fluidos  intracavitários em sua evolução.
A avaliação do grau de espessamento do pericárdio também pode ser subestimada por esse exame. Para isso é preciso utilizar outras técnicas de imagem como a tomografia computadorizada ou a ressonância nuclear magnética.
O derrame é visualizado como um espaço anecóico entre o pericárdio parietal e a linha da parede das câmaras cardíacas. Essa efusão pode estar localizada em qualquer região. A utilização do ecocardiograma transesofágico é útil quando as imagens transtorácicas forem insuficientes para definir o derrame.
Além de facilitar as punções pericárdicas, o exame ecocardiográfico permite diagnosticar o tamponamento e a constrição do coração. No tamponamento surgem: espaço anecóico durante o ciclo cardíaco, movimento anormal do septo, alargamento e congestão da veia cava inferior e alteração do fluxo anterógrado inspiratório nas veias pulmonares. Na pericardite constritiva detectam-se espessamento pericárdico, achatamento diastólico posterior do ventrículo esquerdo e dilatação da veia cava inferior com mínima variação respiratória.
Estudo hemodinâmico
O cateterismo cardíaco completo está indicado quando houver dúvidas diagnósticas nos casos de tamponamento cardíaco e pericardite constritiva. Esse exame também permite estabelecer, com margem de segurança, o diagnóstico diferencial entre as síndromes restritivas externas e as síndromes restritivas internas secundárias à fibrose endomiocárdica.
No tamponamento há igualização das pressões diastólicas médias endocavitárias. Na constrição, além dessa alteração hemodinâmica, também se verifica a queda precoce das pressões diastólicas intraventriculares seguida da elevação rápida destas, conferindo à curva registada o aspecto de raiz quadrada.
MEDIDAS TERAPÊUTICAS
O tratamento das pericardites agudas tem como objectivo tratar a sintomatologia e a causa etiológica. Muitas formas de pericardite são auto-limitadas e têm bom prognóstico.  
Os medicamentos mais utilizados são os analgésicos e os anti-inflamatórios não esteróides. O AAS pode ser usado na dose de 300 a 600 mg a cada 4 a 6 horas. Se não houver resposta, podem ser utilizados o ibuprofeno, o diclofenaco ou o piroxicam nas doses habituais. Em geral o doente é assintomático durante 6 ou 7 dias.
Os esteróides podem ser usados quando indicados para tratamento da doença de base, complicada pela pericardite.
O tratamento específico deve sempre ser instituído. Dessa forma, na pericardite urémica é necessária a diálise; nos processos infecciosos a antibioticoterapia específica; nos processos virais, o suporte sintomático e anti-virais; esquema tríplice na pericardite tuberculosa (por 9 meses).
Em algumas situações, os episódios de pericardite são recorrentes e não se encontra uma etiologia bem definida. Nesses casos em particular está indicada a colchicina na dose de 1 mg/dia durante 1 ano. A terapêutica é bem tolerada e os efeitos colaterais são direccionados para o sistema gastrintestinal ocorrendo somente em uma pequena proporção de doentes, não requerendo em geral, descontinuidade do tratamento.
TRATAMENTO CIRÚRGICO
Podem ser adoptados procedimentos cirúrgicos tanto nas pericardites agudas como crónicas nas quais exista efusão predominante com tamponamento ou constrição com ou sem derrame.  
As opções cirúrgicas tradicionais são a pericardiocentese, a pericardiostomia e a pericardiectomia. A pericardiocentese está indicada para avaliação do fluido pericárdico e para alívio do tamponamento cardíaco. A pericardiostomia permite promover drenagem de líquido e visualização directa do pericárdio, possibilitando a retirada de fragmentos deste ou até sua ressecção parcial. A pericardiectomia está indicada quando houver derrames recidivantes ou constrição podendo ser realizada por via subxifóide depois de esternotomia.
BIBLIOGRAFIA
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HATCHETT, Richardm et al – Enfermagem Cardíaca- Um Guia Polivalente – 1ª Edição. Editora Lusociência, Lisboa, 2002, ISBN 972-8930-12-7.